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Para milhões de pessoas no mundo, a pandemia de covid nunca terminou. Elas continuam sofrendo com problemas no sistema respiratório, no coração, no sistema digestivo e no cérebro. A doença enfrentada por essas pessoas é conhecida como "covid longa": quando os sintomas relacionados à infecção por covid persistem por 12 semanas ou mais, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo estimativa da BBC com base em dados da OMS, cerca de 65 milhões de pessoas no mundo podem estar convivendo com males debilitantes relacionados à covid longa no mundo. Em alguns países, muita gente sequer foi diagnosticada.

A vida de algumas pessoas foi mudada drasticamente pela covid longa, e muitas sofrem em isolamento. Esta reportagem reúne as descobertas mais recentes sobre essa doença, além de depoimentos de pacientes e de pesquisadores.

O que a ciência já descobriu sobre a covid longa

A covid longa é uma doença reconhecida com sintomas específicos, mas alguns sintomas podem ser causados por outros problemas de saúde. Dong-Yan Jin, da Escola de Ciências Biomédicas da Universidade de Hong Kong, diz que a covid longa pode levar a 'culpa' por outros males mais comuns. Ele diz que mais pesquisas são necessárias. Mas, em setembro de 2020, a OMS reconheceu a covid longa como uma doença. Apesar disso, em alguns países, ela não é comumente reconhecida. Isso faz com que muitos pacientes sofram sem receber qualquer tratamento. Também por isso é importante fazer mais pesquisas.

Precisamos de mudanças formais no que é aceitável oficialmente como tratamento e no que não é. E precisamos disso agora, porque todos os dias, no Reino Unido e no mundo, alguém é aconselhado a se exercitar ou a se 'esforçar mais'. E isso está arruinando a vida dessas pessoas. Isso está impondo dores desnecessárias e traumas. Maggie Q, 32 anos, Reino Unido

Vamos ouvir a opinião de cientistas ao redor do mundo a respeito desses sintomas:

Akiko Iwasaki

Como dá para provar que a covid longa existe?

Alguns cientistas têm pesquisado formas de provar a existência da covid longa. Akiko Iwasaki, da Escola de Medicina de Yale, diz ter estabelecido que a covid longa é uma doença biológica, embora sejam necessários mais estudos para confirmar isso. Ela tem analisado sinais no sangue, conhecidos como marcadores. Mas ainda estamos muito longe de eles serem identificados por simples testes de farmácia.

O reconhecimento global da covid longa é muito desigual Em alguns lugares, como Reino Unido e EUA, fala-se muito sobre a covid longa na mídia. A maioria das pessoas já ouviu falar dela. Mas em outros lugares, especialmente no sul global, o conhecimento sobre a síndrome às vezes é mínimo. E, sabe, as pessoas estão sofrendo em isolamento, e elas não sabem o que está acontecendo com elas, mas sobre isto, a cobertura midiática é muito pequena.

Ela diz que as causas de origem da covid longa podem incluir:

  1. persistência do vírus da covid em várias partes do corpo
  2. autoimunidade (quando o corpo ataca a si mesmo)
  3. reativação de vírus dormentes no corpo
  4. disbiose da microbiota (desequilíbrio do sistema gastrointestinal)
  5. inflamação crônica de tecidos, que causa múltiplos sintomas (veja diagrama abaixo).

Em pesquisas recentes, a equipe de Iwasaki, na Universidade Yale (EUA), diz ter identificado diferenças entre quem tem ou não covid longa com 96% de precisão, ao analisar certos biomarcadores no sangue. Eles dizem notar diferenças no sistema imunológico, como:

  • atividade incomum nas células-T, um tipo de glóbulo branco que ajuda o sistema imune a combater germes;
  • algumas células-T ficam exauridas, talvez porque elas ficam repetidamente expostas ao mesmo patógeno (vírus que causam doenças);
  • as proteínas spike, do vírus da covid, foram encontrados em pacientes de covid longa muito tempo depois da infecção;
  • os pesquisadores descobriram que vírus dormentes em algumas pessoas são reativados no caso da covid longa. Os cientistas não sabem ao certo por quê, mas dizem que isso costuma acontecer com pessoas fatigadas. Um exemplo de vírus dormente é o da herpes. A maioria das pessoas carrega herpes, que causa ferimentos, mas não desenvolve sintomas. No entanto, o vírus da herpes, incluindo um tipo chamado Vírus Epstein-Barr (EBV), é mais provável de ser ativado em pacientes com covid longa. rodapé 10 rodapé 11

A equipe de Iwasaki também mediu a quantidade de cortisol, o "hormônio do estresse", nesses pacientes, e encontrou níveis baixos. Isso pode causar dificuldades em dormir, já que o cortisol também controla o quão desperto você está.

No momento, não existe nenhum tratamento aprovado contra a covid longa. Iwasaki comanda, ao lado de colegas nos EUA, pesquisas para testar se o medicamento antiviral Paxlovid (que pode ser receitado contra a covid) reduz o impacto da covid longa, ao limpar resíduos do vírus do corpo, se administrado por 15 dias.

"Estamos tentando entender se o Paxlovid pode ajudar os pacientes - e, caso sim, qual biomarcador mensurável pode diferenciar as pessoas que se beneficiariam do Paxlovid. Porque, quando soubermos isso, podemos inscrever (nos testes) mais pessoas com esses biomarcadores e ver se elas melhoram", diz Iwasaki.

Dr Nyarie Sithole

Os sinais da covid longa no sangue

Na Universidade de Cambridge (Reino Unido), Nyarie Sithole e sua equipe estão pesquisando um possível teste que confirme se o paciente tem covid longa. Esse "biomarcador mensurável" seria testado pelo sangue ou por tecidos do corpo. Em um grupo de pacientes com covid longa, eles descobriram altos níveis da proteína conhecida como interferon-gamma (IFN-y), que é produzida por um tipo de glóbulo branco para ajudar o sistema imunológico a combater germes e proteger o corpo de doenças. Os cientistas descobriram que pacientes com covid longa tinham níveis acima do normal de IFN-y depois de 12 semanas - em alguns casos, depois de dois anos. A IFN-y é conhecida por causar sintomas como fadiga, dores nas articulações e músculos e febre. rodapé 14 rodapé 15

Existe uma desregulação do sistema imunológico nos pacientes com covid longa. O sistema imunológico deles, por alguma razão, não se recalibra aos níveis ou funções normais após a covid. Ele permanece em um alto estado de alerta, como se ainda estivesse sob ameaça, e pode haver alguns bolsões de fragmentos virais ou proteínas virais dentro do corpo de pacientes com covid longa.

Sithole sugere a hipótese de que os altos níveis de IFN-y sejam provocados por vestígios do vírus em pacientes com covid longa. "Eles (vestígios) podem estar em um nível muito baixo, ainda replicando, ou então aquelas proteínas estão circulando e ainda fazendo o sistema imune achar que existe um patógeno dentro do corpo".

O nível elevado de IFN-y em alguns pacientes voltou ao normal após eles terem sido vacinados contra a covid, mas não em todos os casos. Além disso, um número significativo de pacientes com covid longa tem menos sintomas após a vacinação. Ainda são necessárias mais pesquisas com mais participantes.

Dr Jialan Shi

Como a covid danifica células específicas no corpo

Jialan Shi, da Universidade Médica Harbin, na China, estuda como a covid longa pode danificar células específicas no corpo, com consequências duradouras.

O maior mecanismo patológico da covid longa é o dano às células endoteliais nos vasos sanguíneos. Isso pode causar coagulação do sangue e trombose, o que por sua vez causa restrições graduais e redução do fluxo de sangue e oxigênio aos membros, tecidos e órgãos, algo que pode causar falência de órgãos.

Shi identificou que a covid infecta o paciente e ata-se a células endoteliais, que revestem os vasos sanguíneos e são encontradas em todo o corpo. Ele afirma que a covid faz isso por meio de dois receptores e se auto-replica nessas células rapidamente. Outras células morrem imediatamente após serem infectadas, mas as células endoteliais, não - o que permite que o vírus se replique. Quando as células endoteliais ficam danificadas, uma membrana biológica encontrada em todas as células é exposta, iniciando a coagulação sanguínea e a trombose. Como células endoteliais estão por todo o corpo, o dano pode ser amplo e afetar muitos órgãos, explica Shi. rodapé 16 rodapé 17 rodapé 18

Usar tratamentos anticoagulantes e antitrombóticos nos estágios iniciais da infecção por covid pode reduzir a coagulação, diz Shi.

A covid longa pode levar pode levar a amplos danos no endotélio (revestimento dos vasos sanguíneos) Molécula da proteína spike ao lado de uma pessoa, retratando a entrada do vírus no corpo

A covid longa entra no corpo e ali fica, desencadeando uma resposta imunológica

Zoom no corpo mostrando órgãos internos e vasos sanguíneos, para retratar uma resposta inflamatória

Isso causa uma resposta inflamatória e danos aos vasos sanguíneos

Zoom no vaso sanguíneo, mostrando microcoágulos se formando

Microcoágulos podem criar uma coagulação generalizada e endotelite

Zoom do coração mostrando como microcoágulos podem causar problemas nos órgãos

Isso aumenta o risco de trombose

Fonte: Prof. Resia Pretorius

Prof. Resia Pretorius

Exames de sangue especiais são necessários para identificar a covid longa

Resia Pretorius, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, também identificou que as proteínas spike da covid provocam danos (inflamações) nas células endoteliais e forma microcoágulos adicionais, que podem causar danos aos órgãos.

Eles (pacientes) muitas vezes têm sintomas muito debilitantes, em que caminham da cama à porta e já sentem mal-estar pós-exercional e são tão severamente impactados que... uma caminhada de 100 metros ou 50 metros pode fazê-los ficar de cama por duas ou três semanas.

"A inflamação na covid longa muitas vezes não é diagnosticada, porque não é detectada no estágio de exames", diz Pretorius. Ela explica que, em algumas pessoas, depois de duas semanas, o corpo rompe os microcoágulos no sangue e a circulação sanguínea volta ao normal. Mas, para outros pacientes, esses microcoágulos persistem e podem danificar os vasos sanguíneos, além de obstruir o fluxo de sangue a muitos órgãos. Isso pode explicar a variedade de sintomas da covid longa, segundo a médica. Pretorius diz também que ajudou a desenvolver exames que podem ajudar a identificar esses coágulos usando um citômetro de fluxo, máquina que analisa células. Como essa máquina é comum em laboratórios do mundo inteiro, a prática tem o potencial de ajudar no diagnóstico dessas anomalias sanguíneas.

Glóbulos vermelhos danificados Amplificação de glóbulos vermelhos cobertos com microcoágulos, em paciente de covid longa

Glóbulos vermelhos cobertos de microcoágulos, em paciente com covid longa (ampliados)

Amplificação de glóbulos vermelhos saudáveis com superfície lisa

Glóbulos vermelhos saudáveis (ampliados)

Fonte: Prof. Resia Pretorius e Getty Images

Microcoágulos no cérebro Grandes quantidades de microcoágulos marcados em fluorescente, em paciente com covid longa

Sangue de paciente com covid longa

Pequenas quantidades de microcoágulos em fluorescente, de paciente sem covid longa

Paciente sem covid longa

Fonte: Prof. Resia Pretorius e Getty Images

Pretorius também acredita que, cada vez que você é infectado pela covid, aumentam suas chances de desenvolver covid longa. Um estudo do governo canadense mostra um elo entre o número de vezes em que pacientes tiveram covid (sejam casos confirmados ou suspeitos) e a probabilidade de ter covid longa. No entanto, Iwasaki acredita que reinfecções por covid tendem a ser mais leves, a não ser que o paciente tenha algum problema de saúde pré-existente que o deixe mais suscetível à covid longa. rodapé 19

Há muitas hipóteses sobre as causas subjacentes por trás da covid longa. No entanto, cientistas ressaltam que as pesquisas ainda estão em fase preliminar e que são necessários mais estudos, já que pode haver outras explicações que não foram investigadas.

E quais são as recomendações para quem tem covid longa?

Foco na prevenção

A melhor forma de evitar a covid longa é evitando a covid. Pretorius e Rae Duncan - consultora em cardiologia com experiência em covid longa - pedem que áreas públicas invistam em sistemas melhores de ventilação. Elas argumentam que escolas e hospitais, em particular, poderiam reduzir o avanço de vírus com melhorias no fluxo de ar. Máscaras oferecem proteção ao usuário e a pessoas ao redor, diz a OMS. E a vacinação também é conhecida por reduzir o risco de covid longa. rodapé 20 rodapé 21 rodapé 22

O que você pode fazer se já sofre com covid longa

Surpreendentemente, praticar exercícios físicos pode piorar os sintomas. Pacientes podem precisar de ajuda para fazer as coisas em um novo ritmo e tentar equilibrar atividades e repouso. Tanto atividades físicas quanto mentais exigem energia. É importante encontrar um nível de atividades que não provoque fadiga e dores excessivas, para evitar a chamada "recaída". Esse nível adequado de atividade também é conhecido como "envelope de energia". rodapé 23

Se eu me excedo além do meu envelope de energia, todos os meus sintomas pioram. Minha vida é muito mais lenta hoje em dia: às vezes eu sequer tenho energia para me vestir antes do meio-dia. Fui aconselhada a minimizar o uso de escadas. Antes de ter covid, eu costumava ir à academia três a quatro vezes por semana, fazia várias atividades voluntárias, trabalhava seis dias por semana em serviços de ajuda à população sem-teto e era muito ativa na minha igreja. Andrea Galley, 58 anos, Reino Unido
Como reduzir o ritmo ajuda a gerenciar os sintomas da covid longa? Mostrando como adaptar seu ritmo é uma forma de gerenciar atividades sem piorar seus sintomas

Tente se manter entre as duas linhas de esforço. Atividades em excesso podem fazer você colapsar

Fonte: NHS

Alguns males podem ser tratados

Como falamos antes, há alguns sintomas que podem ser tratados com medicamentos que já existem, mesmo que não haja um medicamento específico aprovado para tratar covid longa. Testes clínicos também analisam drogas antivirais para ajudar a eliminar o vírus do corpo, embora não esteja claro se o vírus de fato permanece no corpo. rodapé 24

Cientistas dizem que mais pesquisas são necessárias para desenvolver novos tratamentos. Eles aprenderam muito nos últimos anos e esperam ajudar mais pacientes de covid longa nos anos futuros.

Cada vez que passo alguns dias bem, acho que em breve conseguirei voltar a trabalhar. Faz um ano e meio. Cada vez que tenho um revés, me sinto um pouco pior. Eu perdi tanta coisa. Eu não sou a pessoa que gostaria de ser. Não vivo a vida que gostaria de viver. Não sou a mãe, esposa, filha ou amiga que gostaria de ser. [O que me faz seguir adiante é:] aceitar as coisas como elas são, cuidar do que realmente é importante, as pequenas coisas, torcer por dias melhores e acreditar que isso (a covid longa) logo será uma memória antiga. Siri Bjerkelund Larsen, 48 anos, Noruega

* As imagens e animações foram projetadas para retratar sintomas de covid longa de modo geral e não para criar um retrato científico preciso.