Rafael Satiê, 38, divulgou no mês passado um vídeo para contar sua história de vida. Diz que ela sozinha "desmonta toda a narrativa da esquerda no Brasil".
Na gravação, conta que é filho de ex-traficante criado numa comunidade carioca por mãe solo, "minha princesa e minha rainha". Tem um irmão preso e o outro "perdido para o tráfico de drogas".
Então aceitou Jesus, e tudo mudou. O evangélico também se converteu ao empreendedorismo. Espelhou-se na mãe, que vendeu de Yakult a pizza em busca da prosperidade.
Eleito vereador pelo PL-RJ em 2024, Satiê entrou na política tendo o homem que, em setembro, foi condenado a pagar indenização de R$ 1 milhão por declarações racistas dadas em 2021, como ter comparado o cabelo crespo de um homem negro a um "criatório de baratas".
O ex-presidente Jair Bolsonaro é referência para esse jovem que se diz simpatizante do conservadorismo antes de virar modinha. "Minha formação cristã sempre me guiou pela defesa da família, da vida desde a sua concepção, da liberdade, da ordem e da responsabilidade individual", ele diz à Folha. "Esses princípios são naturalmente ligados à direita. Com o tempo, apenas passei a expressar isso de forma mais clara e firme."
O vereador foi um dos exemplos dados pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, como possível candidato a um cargo em 2026 —deputado estadual ou federal. A hipótese tem voltagem simbólica. Na disputa por novos públicos, o partido passou a tratar a diversidade não como inimiga ideológica, mas como ativo eleitoral. A estratégia, segundo Sóstenes, é apoiar candidaturas que articulam representatividade e conservadorismo, e assim rivalizar com a esquerda nesse debate.
O discurso de Satiê sintetiza bem o espírito da coisa. "Quando alguém vem da favela, como eu vim, e é negro, a esquerda costuma tentar enquadrar essa pessoa em uma narrativa pronta. Tentaram fazer isso comigo. Queriam que eu me apresentasse como vítima. Mas construí minha vida com temor a Deus, trabalho, empreendedorismo e acreditando na meritocracia, exatamente o oposto do que defendem."
Tem mais de onde veio. Antes da operação da PF da qual foi alvo de buscas na sexta (19) em investigação sobre desvio de cota parlamentar, Sóstenes citava outros acréscimos desejados para esse projeto. O primeiro nome que lhe vem à cabeça é o de Jojo Todynho. A ex-funkeira chegou a ser convidada para concorrer à Câmara pelo PL na próxima eleição. Por ora declinou, embora a afeição pela legenda permaneça.
"Eu acho a Jojo um quadro super interessante, porque existem algumas cartas identitárias que preveem que uma mulher negra da periferia e gorda deveria ser necessariamente uma candidata alinhada à esquerda", afirma o líder do PL.
"E sabe o que nós vamos trabalhar agora também? Homossexuais de direita", Sóstenes adiciona. Menciona Firmino Cortada como um nome com potencial. O influenciador do Mato Grosso do Sul, abertamente gay e de direita, já argumentou em podcast que "não existe gay de esquerda".
Sua trilha argumentativa é esta: tão defenestrado pelo outro campo, o sistema capitalista seria essencial para que os homossexuais adquiram direitos, "porque o gay é um público que consome mercado de luxo, é uma fatia importante do capitalismo".
O martelo para novas filiações e candidaturas ainda não foi batido, mas o PL enxergar a diversidade como um mapa do tesouro eleitoral não surpreende a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, estudiosa ligada ao Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e ao Iser (Instituto de Estudos da Religião).
Ela pesquisa o PL Mulheres desde 2023, quando a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro assumiu a presidência do movimento. É por essa época que "fica muito evidente uma aliança entre mulheres que passam a se autodeclarar de forma mais direta como de direita, a partir de uma aliança específica entre evangélicas e católicas".
As incursões pela discussão de gênero, agora pelo prisma conservador, englobam outros partidos, como o Republicanos da senadora Damares Alves e o PP de Celina Leão, a vice-governadora que almeja substituir Ibaneis Rocha (MDB), hoje titular no Executivo do Distrito Federal. Ambas evangélicas.
"Venho percebendo a produção de uma gramática específica voltada para disputar o conceito de diversidade", afirma Teixeira. Ela leva ao debate público um mix de temas, que vão de violência de gênero a pessoas com deficiência —área pela qual também passeia Michelle, fluente na língua de Libras.
A antropóloga repara que o PL Mulheres impulsionou de forma extraordinária filiações femininas. Quase 1.000% nos últimos dois anos, feito "muito vinculado à figura da Michelle e à sua capacidade de capilaridade".
São políticas que não prescindem de velhos ranços do conservadorismo. Caso das que se declaram antifeministas, pois "acreditam que as mulheres feministas lutariam apenas por direitos seletivos a mulheres que também são feministas e que, na verdade, as mulheres de direita estariam lutando por todas e por todos", diz Teixeira.
Percepção similar à do vereador Rafael Satiê quando fala da própria trajetória. O litígio ideológico, aqui, é o mesmo: a direita precisa avançar sobre o eleitor historicamente associado à esquerda. Mulheres, negros, LGBTQIA+. Minorias, em geral.
"Fui defendendo minhas ideias mesmo quando diziam que o negro não podia pensar da maneira que eu pensava", diz Satiê. Para 2026, ele se diz preparado para a missão que Bolsonaro e Valdemar Costa Neto, presidente do PL, confiarem a ele. "Se for a vontade de Deus e deles."
A depender da pauta, a recepção de eleitores fiéis a esse espectro nem sempre acompanha essa abertura. O anúncio da influenciadora Sophia Barclay como pré-candidata a deputada pelo Novo ilustra essa tensão.
Ela, que se define como "trans de direita, foi alvo de ataques transfóbicos, como um que dizia não a reconhecer como mulher. Barclay diz que recebeu "reações positivas e negativas, o que é absolutamente normal na política".
"O que mais chama atenção é como muitas pessoas tentam deslegitimar ideias atacando a identidade pessoal. Isso diz mais sobre quem ataca do que sobre mim", ela afirma. Também não vê incompatibilidade entre ser trans e conservadora. "Isso só é paradoxal para quem acredita que pessoas trans precisam pensar de uma única forma. Sou uma mulher trans, mas antes disso sou cidadã, trabalhadora, esposa e brasileira."
Sobre Nikolas Ferreira (PL-SP), que já foi ao Congresso de peruca no Dia da Mulher para debochar da ideia de que uma trans exista: "Considero um jovem com visão exemplar e acredito que o debate deve existir de forma madura. Inclusive, em breve terei a oportunidade de conversar mais com ele, porque acredito no diálogo como ferramenta para avançar, mesmo quando existem divergências".

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