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Por que aplicar a verificação de idade na internet é tão difícil?

Mas a experiência internacional mostra que essa equação está longe de ser trivial.

No Reino Unido, onde existe desde 2020 um código de design apropriado para a idade e, mais recentemente, entraram em vigor novas medidas de proteção de crianças a danos online, as plataformas também foram obrigadas a implementar sistemas robustos de checagem de idade. Mas sua efetividade tem sido bastante insatisfatória.

Entre os resultados imediatos das novas regras britânicas, está a multiplicação de tutoriais ensinando a driblar as barreiras de idade impostas pelos sites.

Além disso, algumas empresas implementaram soluções problemáticas e desproporcionais, como o Spotify, que passou a exigir o escaneamento da face dos usuários para estimar sua idade e restringir seu acesso a músicas com termos "explícitos".

Não existe método infalível

O caso do Reino Unido, coincidindo com as produções acadêmicas e técnicas sobre o assunto, nos mostra que não existe um método infalível para a verificação de idade.

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Para além das obviamente ineficazes caixinhas de declaração de que "tenho mais de 18 anos", muitos sistemas usam apenas informações do dispositivo, facilmente burláveis por meio de VPNs —programas que permitem simular outra localização na internet e enganar filtros de acesso.

Outros métodos recorrem à biometria ou ao cruzamento de dados do usuário com registros oficiais, como os de bancos ou mesmo de um documento de identidade como o CPF.

Também existem aqueles que, a partir do processamento dos dados sobre o comportamento online de um usuário, estimam sua idade.

Todos têm problemas. Alguns são pouco eficazes, outros altamente invasivos ou discriminatórios.

Quanto mais "preciso" o método, mais dados pessoais ele exige e, com isso, aumentam os riscos de vigilância e de vazamentos, algo particularmente preocupante em um país como o Brasil, que é um dos líderes do ranking mundial de incidentes de segurança com bases de dados.

Alguns dos principais métodos disponíveis ainda podem reforçar desigualdades.

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O reconhecimento facial, por exemplo, falha mais com pessoas negras, e outras técnicas de uso de biometria podem não funcionar com pessoas com deficiência.

Sistemas baseados em registros oficiais excluem quem não tem documentos ou contas bancárias.

Algoritmos desenhados por empresas do Norte Global muitas vezes ignoram contextos culturais locais e, portanto, apresentam vieses e não estimam adequadamente a idade de usuários de outras realidades.

Direito ao anonimato

Além disso, por definição, os mecanismos de verificação de idade desafiam o direito ao anonimato, uma característica essencial da internet e condição para o exercício da liberdade de expressão e associação por parte de todos os usuários da rede, inclusive crianças e adolescentes.

Para jovens que vivem em certos entornos familiares, circular pela internet com privacidade pode ser vital para obter informação crucial sobre saúde sexual e reprodutiva, identidade de gênero ou até mesmo sobre canais para se proteger de abusos ou violências.

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Essa encruzilhada revela uma armadilha recorrente: acreditar que a tecnologia, por si só, vai nos salvar dos problemas causados pela própria tecnologia. Não vai.

A proteção de crianças na internet não vai ser resolvida a partir da implementação irrestrita e desproporcional de técnicas invasivas de verificação de idade, como seria o escaneamento da face para escutar um "funk proibidão".

A proteção integral que almejamos exige políticas estruturais mais amplas, que reconheçam que a internet é uma extensão do que ocorre fora dela.

Portanto, políticas e programas de educação digital, prevenção à exploração sexual e discussão sobre o modelo econômico que sustenta as plataformas digitais são essenciais.

E, acima de tudo, proteger crianças e adolescentes exige enfrentar de maneira estrutural as desigualdades, como as de gênero e raça, que estão na raiz dos principais riscos que crianças e adolescentes enfrentam online, como a hipersexualização.

O ECA Digital é um passo importante, mas não substitui esse conjunto de ações.

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Por isso, a implementação da nova lei precisa ser feita com cuidado. Seu próprio texto traz salvaguardas importantes. Prevê que mecanismos de verificação de idade devem respeitar a proteção de dados e ser definidos com participação social e transparência.

Esse é o caminho para aprender com as falhas de outros países, evitando soluções prontas e importadas que não se adaptam ao contexto brasileiro e que, em vez de proteger, podem reforçar desigualdades.

Estamos em um ponto de inflexão. A discussão sobre a proteção de crianças e adolescentes online é indispensável, mas não pode se reduzir a fórmulas simplistas que colocam em xeque o exercício de outros direitos fundamentais.

Soluções sem comprovação eficaz, como são até o momento os principais métodos de verificação de idade, e com resultados potencialmente discriminatórios, não podem ser implementadas de maneira generalizada.

O desafio é encontrar equilíbrio e adotar medidas protetivas eficazes sem abrir mão de direitos fundamentais, garantindo que a internet seja um espaço aberto, inclusivo e seguro para todas as pessoas.

* coordenadora de políticas públicas da Derechos Digitales, entidade de defesa dos direitos humanos no ambiente digital na América Latina.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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