
Crédito, Benoit Clarys/Albin Michel
- Author, Juan Francisco Alonso
- Role, BBC News Mundo
Há 26 minutos
O Homo sapiens é hoje a única espécie humana que caminha sobre a Terra, mas nem sempre foi assim. Há cerca de 50 mil anos, nossa família compartilhava o planeta com ao menos outros dois grupos: os neandertais e os denisovanos.
Dos neandertais, que habitaram a metade ocidental da Eurásia, há extensa evidência arqueológica e paleontológica.
O primeiro achado ocorreu em 1856, quando trabalhadores encontraram, em uma pedreira no vale de Neander (Alemanha), um conjunto de ossos identificados, inicialmente, como restos de um urso.
Acerca dos denisovanos, contudo, quase nada se sabia até este século.
A falta de informações intriga pesquisadores, sobretudo porque pesquisas recentes sugerem que essa linhagem desempenhou papel fundamental para a continuidade da humanidade.
'O elo perdido?'
Os denisovanos entraram no radar da ciência em 2010, quase que por acidente.
Naquele ano, pesquisadores do Instituto Max Planck, da Alemanha, extraíram o DNA de um fóssil de dedo e de um molar encontrados dois anos antes em uma caverna em Denisova, na Sibéria russa. As peças eram consideradas pertencentes a um neandertal.
O resultado da análise genética, contudo, trazia uma surpresa.
"Os cientistas esperavam encontrar um genoma de neandertal, mas, ao examiná-lo, perceberam que era algo único", afirma Fernando Villanea, professor de antropologia da Universidade do Colorado Boulder (EUA), em entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
Segundo o geneticista, especialista em populações humanas pré-históricas, "o número de diferenças observadas no genoma era comparável à divergência existente entre o genoma neandertal e o humano, indicando que estavam na presença de uma nova espécie".
A nova linhagem recebeu o nome do local onde foi encontrada.
Pelo descobrimento e por estabelecer as bases de "uma disciplina científica completamente nova, a paleogenômica", o geneticista sueco Svante Pääbo ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 2022.

Crédito, Getty Images
Mas quem são os denisovanos e como surgiram?
"Foi um grupo que se separou de nossa linhagem sapiens há cerca de 1 milhão de anos", afirma Silvana Condemi, paleoantropóloga francesa e uma das maiores especialistas no tema.
Segundo Condemi, "a hipótese mais provável é que a divergência entre os ramos [neandertal e denisovano] ocorreu durante a saída da África, que sabemos ter sido protagonizada pelo Homo heidelbergensis, espécie que chega à Europa com a capacidade de usar o fogo em um período interglacial muito longo e severo", disse Condemi, autora de The Secret World of Denisova (O Mundo Secreto dos Denisovanos, em tradução livre).
"Sem dúvida, as condições climáticas explicam a separação entre neandertais e denisovanos, já que o território se fragmentou por causa daquela glaciação", acrescentou Condemi, que também é diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, um dos principais institutos científicos do país.
Mas como esse grupo permaneceu tanto tempo fora do radar? A especialista atribui o fato à falta de restos fósseis e a erros na classificação de achados já conhecidos.

Crédito, Albin Michel
A herança genética
Os denisovanos ocuparam amplas áreas do leste asiático e chegaram inclusive à Oceania.
Em julho de 2024, pesquisadores chineses detectaram segmentos de DNA denisovano em um crânio recuperado no norte da China. Achados comparáveis ocorrem com duas mandíbulas provenientes do Tibete e de Taiwan.
Segundo Villanea, da Universidade do Colorado Boulder, "esses dados sugerem que os denisovanos habitavam zonas costeiras e tropicais, mas também ambientes montanhosos frios. A amplitude desse espectro ecológico indica elevada capacidade de adaptação biológica, associada a algum tipo de tecnologia".
À medida que se expandiram geograficamente, os denisovanos conviveram e se misturaram com outras espécies humanas com as quais se depararam.
"Quando os primeiros Homo sapiens deixaram a África, entraram em contato com os neandertais e se hibridizaram; o mesmo aconteceu depois com os denisovanos, conforme avançaram para o leste", afirmou Condemi.
Estudos recentes indicam que essa "mestiçagem" contribuiu para garantir a sobrevivência dos sapiens.
"Após anos de pesquisa, foram identificados vários genes únicos que os denisovanos possuíam e que lhes davam vantagens em determinados climas e regiões (…) e algumas dessas variantes genéticas denisovanas ainda podem ser encontradas em humanos modernos", explicou Villanea, da Universidade do Colorado Boulder.

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Condemi cita, por exemplo, o gene EPAS-1, presente em mais de 80% dos atuais habitantes do Tibet. "Esse gene oriundo dos denisovanos melhora o transporte de oxigênio, algo essencial para quem vive em altitudes elevadas."
Os genes TBX15 e WARS2, presentes em variantes muito específicas do cromossomo 1 e cujas origens também podem ser rastreadas até os denisovanos, foram encontradas em algumas populações que vivem em altas altitudes na Ásia, aponta Condemi, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
"Esses genes desempenham um papel no desenvolvimento do corpo e, em particular, na distribuição do tecido adiposo marrom, que é usado para gerar calor em climas frios", explica Condemi.

Crédito, Samuel Kirzenbaum
Até a América
Outro gene denisovano que também foi encontrado em fósseis de neandertais e em humanos modernos é o MUC19, que está envolvido na produção de proteínas que formam a saliva e as barreiras mucosas das vias respiratórias e digestivas que protegem os tecidos de patógenos.
"Esse gene está em uma a cada três pessoas com ascendência indígena americana", afirma Villanea, que participou de uma pesquisa com cientistas do México, da Dinamarca, da Itália, da França e da Irlanda.
Mas os denisovanos chegaram à América? "Não, mas por seus genes, sim", responde Condemi. "Os asiáticos têm genes neandertais e denisovanos, tal qual os americanos e latino-americanos, porque parte da população indígena da América provém da Ásia."
"Se você é da América do Sul e enviar seu DNA para uma empresa americana que faz estudos por US$ 100 (cerca de R$ 530), descobrirá que tem DNA neandertal e denisovano. E, dependendo da sua origem, podem ter em dobro a carga de DNA denisovano: o que veio pelo estreito de Bering, e o que chegou mais tarde com os povos do Pacífico", diz Condemi.
Nos latino-americanos com ascendência europeia, no entanto, predomina a carga genética neandertal, explica Condemi.
Mas voltando ao gene MUC19, Villanea aponta que se suspeita que ele tenha dado uma "vantagem" à defesa imunológica de parte da população da América, o que pode ter contribuído para a sua adaptação às condições do continente.

Crédito, Comitê Norueguês do Prêmio Nobel
Como um livro de história
Para Condemi, a descoberta dos denisovanos foi um ponto de virada para o entendimento sobre as origens da humanidade e para as formas com as quais o passado é investigado.
"A paleoantropologia antes se baseava em ossos, mas hoje em dia trabalhamos com muitos outros campos, como a genética, a biologia e a botânica", diz a pesquisadora.
A utilização da genética foi algo revolucionário para esses estudos. "Toda a nossa história pode ser lida no DNA", diz Condemi.
"Não se trata apenas de nossa história pessoal, nem de nossa família ou de nosso país, mas de nossa história como espécie, de nossas migrações, de nossos encontros com doenças e de como nos adaptamos a certos alimentos e entornos. Tudo está nos nossos genes."
Villanea segue a mesma linha. "Apesar de não termos um esqueleto completo, ferramentas ou outros materiais de referência, o genoma completo do indivíduo denisovano nos trouxe muitas informações."

Crédito, Getty Images
Mais suspeitas que certezas
Mas ainda há muito a ser descoberto sobre esses ancestrais e seus desaparecimentos.
Em relação a sua aparência física, os denisovanos tinha cabeças grandes como os neandertais, afirma Condemi.
"Os neandertais tinha um rosto alongado, como o de um cachorro, com bochechas completamente laterais, mas os denisovanos tinham bochechas mais pronunciadas e tinham dentes bem grandes, muito maiores do que os dos neandertais e dos humanos modernos."
Sobre a extinção dos denisovanos, Villanea afirma que indícios apontam que houve uma combinação de fatores.
"A evidência fóssil que temos é bastante incompleta, mas temos conseguido certas pistas no genoma do indivíduo das montanhas de Altai [na Ásia Central]. A evidência genética indica que as comunidades denisovanas tinham poucos indivíduos pelo menos milhares de anos antes de sua extinção."
Além disso, a "informação geológica indica que o fim dos denisovanos coincidiu com o fim da era glacial na Europa, o que revela que estavam adaptados a viver em ecossistemas frios e provavelmente dependiam da caça de espécies da megafauna que foram desaparecendo".
Mas foi nesse mesmo momento em que os Homo sapiens traçaram seus caminhos.
"Esse mesmo processo de mudança climática que condenou os denisovanos também permitiu que os humanos modernos se expandissem desde as regiões quentes da África até o Mediterrâneo e as costas da Ásia, onde encontraram os últimos neandertais e denisovanos, o que resultou na herança que os humanos possuem hoje", conclui Villanea.

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