Para algumas gerações, essa realmente foi a "fórmula de sucesso". Mas a geração Z viu e percebeu que as coisas podem, sim, ser diferentes dentro do trabalho. E a "revolução" deles já começou.
O número de jovens da gen Z ocupando postos de trabalho só tende a aumentar nos próximos anos. Dados mostram que parte da geração já esta trabalhando. Em 2024, uma pesquisa da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE, mostrou que dos quase 104 milhões de trabalhadores no Brasil, 25,9 milhões tinham entre 18 e 29 anos —ou seja, 25% do total de ocupados. Entre os ocupados desta faixa etária, 38,5% estavam na informalidade.

"Trabalho não é item da nossa personalidade"
Uma das grandes diferenças dessa geração é a forma de se identificar com o trabalho. Uma pesquisa feita com os nativos digitais mostrou que eles não se sentem representados pelo trabalho, diferente dos millennials. Para eles, há uma visão mais apática sobre o trabalho em relação aos nascidos anteriormente.
Matheus Gonçalves, 28, se identifica com isso. "A gente sabe que nosso trabalho não define a gente. Não levamos nosso trabalho como um item da nossa personalidade", explica o jovem, que é geógrafo e trabalha com sustentabilidade em uma multinacional em São Paulo.
A gente aprendeu que não dá mais para ser feliz só de sábado e domingo ou em happy hour da empresa. Matheus Gonçalves, 28
Essa visão mais "realista" da vida, sem tanta idealização, é algo que já aparece em pesquisas e na própria fala de especialistas: a percepção dos jovens, principalmente, é de que "as coisas estão mudando rapidamente, então porque vou 'desperdiçar' a vida apenas com trabalho?".

"O trabalho não é uma parte da sua característica. É o que você faz de contribuição para uma dada sociedade, é para sobreviver", afirma Matheus.
Quando os jovens dizem que não dá para viver apenas pensando em trabalho, a mensagem é que dá para equilibrar melhor a vida, ou seja, segurar todos os "pratinhos". É sair na hora que o expediente acaba, é evitar ficar falando 24 horas sobre trabalho, explica Esther Pereira, 25, que trabalha com marketing na mesma empresa que Matheus.
A partir do momento que a gente entende que é possível [equilibrar a vida] e tenta fazer isso, as pessoas podem dizer: 'Ah, que geração preguiçosa'. Mas não é isso. Só entendemos que somos jovens e podemos aproveitar a vida agora. Esther Pereira, 25

Colega de Matheus e Esther, Matheus Camacho, 23, é analista da empresa e dá o exemplo do pai. "Ele trabalhou a vida inteira em banco e estava sempre reclamando no fim do dia", conta. "Mas desde que entrei no mundo corporativo, percebi que não queria ser totalmente dedicado ao trabalho", diz.
Tendo a primeira experiência profissional, Pedro Paz, 19, é estagiário e já tem uma mentalidade parecida com a dos colegas. "Entrei aqui em agosto, estava no segundo semestre de letras. Fico pensando em outras experiências que consigo ter dentro do trabalho, ao mesmo tempo. Não precisa ser uma coisa ou outra."

"Por que viver assim?"
Quem analisa e estuda esse movimento da geração é Roberta R. Katz, antropóloga e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Ciências Comportamentais da Universidade Stanford (EUA).
Os jovens observaram como as gerações anteriores trabalhavam sem parar, se aposentavam e morriam logo depois. E perguntaram: 'Por que viver assim?' Roberta R. Katz, antropóloga
Também autora do livro "Gen Z, Explained: The Art of Living in the Digital Age" ("Geração Z, Explicada: A Arte de Viver na Era Digital", sem venda no Brasil), a especialista cita que, inicialmente, muitas empresas torceram o nariz para as questões trazidas pelos jovens.
Mas, hoje, algumas mudanças já foram incorporadas. "A geração Z pressionou e alguns locais ouviram as queixas, e melhoraram. Foi um bom intercâmbio cultural", explica a antropóloga dos EUA.
O conselho da antropóloga é ouvir mais antes de julgar. De acordo com ela, os mais jovens não aceitam respostas vazias. A explicação precisa de um sentido. "Às vezes, eles ainda podem não entender o contexto, mas cabe uma conversa respeitosa de ambos os lados", diz.
"Gen Z é disruptiva"
Antonio Paixão, 45, trabalha há mais de sete anos na ADM (Archer Daniels Midland Company) Brasil, multinacional focada no agronegócio e nutrição. Atualmente, ele é diretor de RH da empresa. Nos últimos anos, acompanhou de perto a adaptação da empresa no mercado de trabalho.
"Lembro que, há uns 5 anos, o 'dress code' [código de vestimenta] da empresa mudou. Chamamos alguns jovens da geração Z e lançamos um vídeo com eles. A ideia era mostrar o que podia ou não usar na empresa", conta.
Outra coisa que a empresa fez foi criar um painel mensal com a gen Z. "Chamamos líderes, recém-contratados, e pessoas de outros grupos de diversidade, para falarmos sobre a geração Z. A ideia é pensar em iniciativas dentro da empresa, trazendo exemplos e troca entre todos."
Há ainda um programa de mentoria na qual os funcionários podem aprender com líderes de outras áreas e equipes. As decisões da empresa, explica Paixão, não são unilaterais —a ideia é sempre incluir os mais novos nas mudanças.
Da experiência, há aprendizados com os nativos digitais: "Eles são muito disruptivos. Tem coisas que demoramos muito para desenvolver e, com eles, ganhamos mais agilidade. É um benefício trabalhar com os mais jovens", explica.
"Parece desinteresse, mas é preservação"

Erick Sales, 22, é um bom exemplo do que é ser um gen Z no ambiente de trabalho. A fluidez e o desapego com o curso de formação mostra as principais características de um jovem: "A gente faz uma transição de carreira mais fácil, não existe essa rigidez. Hoje, sinto que é raro para essa geração fazer a mesma coisa pelo resto da vida", explica.
"Sou formado em jornalismo, trabalho com marketing e empreendo com uma consultoria voltada para geração Z", conta.
Assim como os outros jovens, não aguenta mais ver pessoas dizendo que a gen Z é preguiçosa e sem compromisso. Há apenas uma mudança de valores, na visão de Erick.
A gente trabalha para pagar contas, viajar, passar tempo com amigos e família. Isso pode chocar um grupo que sacrificou muito, em prol da carreira e do sucesso. Então, isso pode, parecer desinteresse, mas é preservação. Erick Sales, 22
Menos polida e com pouco jogo de cintura. Outro ponto observado por Erick é que, com a pandemia e a falta de contato, alguns jovens chegam agora ao mercado de trabalho com um comportamento "sem noção".
Muitos jovens, aliás, demonizam a CLT, principalmente os mais novos. O que, na opinião de Erick, faz sentido. "Para uma geração que preza o dinamismo, a CLT é tida como algo rígido, mas cabe às empresas aprenderem a flexibilizar algumas coisas", diz.
Por outro lado, vê o movimento como algo preocupante. "Os mais novinhos, de 16 e 17 anos, sem vivência no mercado, têm como referência os influenciadores que seguem, então, falta entender a importância da CLT. Falta memória das lutas trabalhistas", explica.

Comunicação precisa ser transparente
No ano passado, uma pesquisa feita no Brasil pela empresa Alice, em parceria com BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Grupo Fleury e Flash, mostrou que a geração Z preza pela transparência na empresa: 34,2% querem comunicações transparentes. Isso significa que as atitudes valem mais do que promessas vazias.
Quem exemplifica é Sue Coutinho, 28, que trabalha com comunicação e tem ainda uma newsletter no LinkedIn chamada de "Só tem no Brasil", dedicada a falar sobre a cultura brasileira —a gen Z, aliás, já foi tema de suas publicações.
"Algumas empresas, por exemplo, dizem oferecer apoio para saúde mental dos funcionários. Mas tem limite. Você pode lidar com o assunto ali dentro, mas até certo ponto. Quer dizer, existe política na empresa, mas não sabem como lidar com isso."
Em sua trajetória de 10 anos no mercado de trabalho, a jovem já observou mudanças positivas em locais que já passou. "Vejo o quanto algumas políticas foram adicionadas, mas ainda com muitos tabus, como essa questão de esgotamento mental."

Cada geração vai acreditar em uma "mentira"
O antropólogo Michel Alcoforado, fundador da consultoria Consumoteca, explica que, atualmente, a geração Z acredita em outra "fórmula" para ganhar dinheiro. "O gen Z cresceu ao lado do irmão mais velho, um millennial, e viu que, talvez, toda a fórmula que foi inventada para eles, não deu tão certo", explica.
Nós não temos mais nenhum mecanismo de reprodução social que dê alguma garantia de que trabalhar demais ou estudar demais coloca alguém mais perto do 'pote de ouro'. Nada está garantido. A geração Z não comprou essa falácia. Eles não caem mais nesse papinho. Michel Alcoforado, antropólogo
E isso não tem a mesma coisa de dizer que eles não gostam de trabalhar, segundo o especialista. Até porque, os jovens vão atrás do "corre" se preciso. "Eles vão entregar iFood e fazer Uber, o que for preciso", diz.
Ao mesmo tempo, eles acreditam que é possível prosperar com as redes sociais —aí a grande "mentira" da nova geração. "Olha a criança que mora na Inglaterra e viralizou falando palavras difíceis e, hoje, é garota propaganda do Itaú. Ou a moça que não quis trocar de lugar no avião", diz.
E o questionamento que fica é: nem todo mundo vai chegar neste lugar. "Mas cada geração fica enfeitiçada por alguma mentira", explica o antropólogo. "Alguns acham que basta fazer um vídeo no YouTube que eles vão ganhar dinheiro, mas nem todos conseguem se dar ao luxo."
Cláudio Paixão, professor na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutor em psicologia social, tem um contato direto com a geração Z. Ele narra o que mais escuta entre os alunos.
"Eles se sentem 'mais conectados, com mais referências', mas não conseguem se encaixar nas profissões 'tradicionais'. Aqui entra a ilusão de que vão ganhar dinheiro no YouTube e no Instagram. Isso mexe com as expectativas das pessoas, que acabam abraçando realidades imaginárias", explica o especialista.
Esse discurso surge, principalmente, quando eles olham ao redor e encontram um cenário de "desânimo", segundo Paixão. "Esse jovem vê que está fazendo um curso superior e, às vezes, vai ganhar o mesmo que alguém sem estudar está ganhando. Eles se sentem desanimados", diz.

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