O ex-presidente Jair Bolsonaro deixa o hospital após passar por exames médicos, autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para retornar à prisão domiciliar enquanto aguardava julgamento após ser acusado de planejar um golpe após sua derrota eleitoral, em Brasília, 16 de agosto de 2025.

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Legenda da foto, Caso ex-presidente seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão

Há 23 minutos

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus começam a ser julgados nesta terça-feira (2/9) por tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O julgamento deve durar cinco sessões, na terça e quarta desta semana (2/9 e 3/9) e na terça, quarta e sexta da semana que vem (9/9, 10/9 e 12/9).

As sessões devem se dividir em até três etapas: sustentações orais; leitura de votos pela condenação ou absolvição; e, em caso de condenação, uma última etapa de votos relacionados à fixação de penas.

Bolsonaro e os outros sete ex-integrantes do seu governo são acusados de cinco crimes relacionados a um suposto plano de golpe de Estado para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o poder após as eleições de 2022.

Entre os oito réus, estão três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.

Também são réus Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez uma delação premiada que embasa parte da acusação.

Eles fariam parte do que a Procuradoria Geral da República (PGR) chamou de "núcleo crucial" de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negam as acusações.

Entre os crimes imputados ao ex-presidente estão:

  • liderança de organização criminosa;
  • tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • golpe de Estado;
  • dano contra o patrimônio da União;
  • e deterioração de patrimônio tombado.

Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa.

No Brasil, penas acima de oito anos começam a ser cumpridas em regime fechado.

Embora a pena máxima possa superar 40 anos, isso não significa que, se condenados a ela, os oito réus passarão todo esse tempo presos. Isso porque a legislação penal brasileira prevê a progressão de regime.

Assim, o período total de reclusão depende de variáveis, como comportamento, se o condenado já cometeu outros crimes e o trabalho ou estudo no estabelecimento penal. Além disso, o tempo máximo de prisão no país não pode ultrapassar 40 anos.

Entenda, a seguir, o que são cada um dos crimes pelos quais Bolsonaro será julgado.

Organização criminosa

Na denúncia contra o ex-presidente, apresentada pela PGR e aceita pelo STF em março deste ano, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, acusa Bolsonaro pelo crime de "liderar organização criminosa armada".

A Lei nº 12.850 de 2013 define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.

A legislação afirma ainda que, para se enquadrar como organização criminosa, o grupo deve ter como objetivo obter vantagem de qualquer natureza, além de ter praticado infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos ou que sejam de caráter transnacional.

Lula e Jair Bolsonaro durante debate televisivo durante as eleições de 2022

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Legenda da foto, Lula e Jair Bolsonaro durante debate televisivo durante as eleições de 2022

A pena prevista para o indivíduo que integra, financia ou promove uma organização criminosa é de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

No caso de Bolsonaro, a PGR destaca as condições previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 2º, que preveem agravamento da pena se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo e se o indivíduo exercer função de comando na organização.

Na denúncia, Gonet fala em "uma trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas". O procurador também aponta que o uso de armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, era parte do plano de golpe liderado por Bolsonaro.

O assassinato do magistrado fazia parte do chamado plano "Punhal Verde Amarelo", que também teria por objetivo assassinar Lula e o vice eleito Geraldo Alckmin.

Abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado

Ambos os crimes estão previstos no artigo 359 do Código Penal. Eles foram incluídos pela lei de crimes contra a democracia, de número 14.197, sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.

Esta norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, que era da época da ditadura militar.

Os dois crimes fazem parte do capítulo de crimes contra as instituições democráticas da lei e punem já a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura institucional não tenha se concretizado.

O texto prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.

Também estipula de 4 a 12 anos de prisão para a tentativa de golpe de Estado por meio de violência ou grave ameaça.

Dano contra o patrimônio da União

Na ocasião, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente, insatisfeitos com a eleição e posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF.

Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, o episódio foi fomentado e facilitado pela suposta organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte. Segundo ele, o grupo deve ser responsabilizado "por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático."

Ainda segundo a denúncia, a violência cometida teria gerado prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões.

Ataques de 8 de janeiro contra o Palácio do Planalto

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Legenda da foto, Para PGR, invasões de 8 de janeiro de 2023 foram fomentadas por organização da qual Bolsonaro era parte

O crime de dano contra o patrimônio da União, pelo qual Bolsonaro foi denunciado, também está previsto no Código Penal.

O Ministério Público acusou o ex-presidente pelo crime de "dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima".

O Código Penal prevê detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

E apesar de Bolsonaro não ter participado dos ataques pessoalmente — ele estava no exterior em 8 de janeiro de 2023 — Gonet defendeu que o resultado trágico dos eventos "não pode ser dissociado das omissões dolosas" dos denunciados.

O procurador disse ainda haver provas suficientes para demonstrar que o núcleo central da suposta organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, "em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores".

A denúncia fala ainda da omissão de membros da Secretaria de Segurança Pública "no âmbito das suas responsabilidades na segurança pública, de prevenir exatamente as barbaridades ocorridas."

Deterioração de patrimônio tombado

A denúncia pelo crime de deterioração de patrimônio tombado segue a mesma justificativa da anterior: segundo o Ministério Público, apesar de não ter participado dos ataques de 8 de janeiro, Jair Bolsonaro deve ser vinculado aos resultados dos eventos daquele dia.

Segundo a denúncia enviada ao STF, o suposto plano de golpe de Estado "resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados."

"Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos", diz o texto.

O procurador-geral da República afirmou ainda que a suposta organização criminosa, por meio de seus integrantes, teria direcionado os movimentos populares e interferido nos procedimentos de segurança necessários, razão pela qual responde pelos danos causados.

O crime de deterioração de patrimônio tombado está previsto na Lei n. 9.605, de 1998, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.

Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil