Pintura de Joseph Wright de Derby

Crédito, Galeria Nacional de Arte

Legenda da foto, Pintura de Joseph Wright de Derby do século 18 em que retrata a "jovem coríntia"
    • Author, Marta Carrasco Ferrer
    • Role, The Conversation*
  • Há 28 minutos

Ao abordar a questão das mulheres artistas ao longo da história, até hoje tem predominado uma visão muito limitada: a de começar a falar a partir da Idade Média.

Por isso, é dito que a primeira mulher artista da Europa foi a "pintora e serva de Deus" Ende, que assinou, por volta do ano 970, junto com o pintor Emetério, os manuscritos do Beato de Liébana, conservados na catedral de Girona.

Outras freiras medievais dariam os passos seguintes, e assim se chegaria à Itália renascentista.

No século 16, Giorgio Vasari dedicou dois capítulos, em seu estudo sobre a vida de artistas ilustres, às mulheres artistas que conhecia: ele fornece dados sobre a interessante escultora Properzia de' Rossi, e sobretudo, sobre uma brilhante pintora, Sofonisba Anguissola, a grande retratista de Felipe 2°.

A partir desse ponto, seria traçada até hoje a trajetória da pintura nas mãos de mulheres.

Contudo, há alguns anos, eu e meu colega Miguel Ángel Elvira nos questionamos: será que não existiram pintoras na Antiguidade?

Estudamos o problema e, com o tempo, chegamos a publicar um breve livro intitulado Mulheres Artistas da Grécia Antiga.

Um parágrafo na história

Os teóricos gregos e romanos que escreveram sobre a arte já reconheciam a existência de pintoras: Plínio, em particular, antecipou-se em séculos a Vasari e as reuniu em um parágrafo em sua História Natural.

"As mulheres também pintaram: Timarete, filha de Micón, [representou] uma Diana, que se encontra em uma tábua de Éfeso, realizada em um estilo muito antigo; Irene, filha e discípula do pintor Cratino, pintou uma jovem, que se encontra em Eleusis; Calipso, pintou um ancião, o prestidigitador Teodoro e o dançarino Alcisthenes; Aristarete, filha e discípula de Nearco, [representou] um Esculápio. Laia de Cízico [que permaneceu] sempre virgem, esteve em Roma quando M. Varrón era jovem e pintou, tanto com pincel quanto com espátula sobre marfim, retratos, principalmente de mulheres; em Nápoles [se encontram] uma anciã pintada em uma madeira grande, e seu autorretrato ao lado de um espelho. Ninguém teve uma mão tão rápida ao pintar, e, ainda assim, seu valor artístico foi tanto, que seu preço superou em muito o de Sópolis e Dionísio, os pintores retratistas mais célebres de sua época, cujos quadros preenchem as pinacotecas. Também foi pintora uma tal de Olimpias, da qual só se lembra que teve como discípulo Autóbulo."

No entanto, não nos parece suficiente esse ponto de vista, que se limita ao período helenístico.

Vale a pena começar nossa análise pelas criadoras femininas no campo da mitologia que, embora não sejam, como tal, "reais", servem de referência.

As origens mitológicas

Lá em Olimpo, nos tempos imemoriais, os deuses Atena e Hefesto dividiram o domínio das artes.

Hefesto, amparando-se na força de seus músculos, ficou com a escultura e o trabalho com metais.

Já Atena, mais inteligente, senhora dos palácios micênicos, se voltou aos trabalhos minuciosos e criativos que as damas e as escravas realizavam em seus aposentos: seriam dela a tecelagem, o bordado, as esculturas de marfim e a pintura que cobria as paredes.

Desenho de uma mulher sentada bordando

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Penélope passou meses bordando um pano — que desfazia todas as noites — para evitar ter que escolher um novo esposo durante a ausência de seu marido Ulisses

Com o tempo, a poesia épica aprofundaria uma divisão tão sugestiva, firmemente enraizada, por outro lado, em uma mentalidade patriarcal.

Assim, surgiram lendas como a de Filomela, que bordou em um tapete os crimes de seu cunhado Tereu — um monarca —, que a violentou e depois arrancou sua língua para que ela não pudesse denunciá-lo à irmã, Procne.

Naquela época também se desenvolveu a imagem das grandiosas tecelãs "homéricas": Helena, que se entretinha em Troia, enquanto Páris enfrentava os heróis gregos, bordando precisamente esses combates; e, principalmente, Penélope, modelo de fidelidade conjugal, que passou meses bordando um pano — que desfazia a cada noite — para evitar ter que escolher um novo esposo durante a interminável ausência de seu marido Ulisses.

Nos séculos seguintes, as mulheres continuaram dedicadas aos seus bordados e criaram alguns tão grandiosos quanto os "peplos de Atena", túnicas confeccionadas por equipes inteiras de jovens em uma sala do Partenon.

Essa tarefa era respeitada por todos e deu origem a uma outra lenda: a de Aracne, uma jovem tecelã que acreditava ser capaz de superar a própria Atena.

Foi derrotada (como podia uma mortal se comparar a uma deusa?), mas sua ousadia se tornaria, com o passar dos séculos, a proclamação e grito de honra dos artistas: o próprio Velázquez retrataria essa história em sua pintura As Fiandeiras.

As 'verdadeiras' pintoras

A última parte do nosso estudo deixa de lado os tecidos e adentra o campo da pintura sobre madeira, a "verdadeira", para os escritores antigos, já que dela há referências literárias indiscutíveis.

Partimos do momento em que certas mulheres começaram a se sentir capazes de deixar seus teares domésticos para ingressar nas oficinas de seus pais e trabalhar ao lado deles.

A primeira artista que temos notícia é, na realidade, uma autora anônima do século 7, a.C.

Conhecida como "a jovem coríntia", ela inventou o gênero do retrato: simplesmente desenhou o perfil de seu amado para manter a lembrança dele por perto.

Mais de um século depois, descobrimos, na pintura de um vaso, uma pintora em uma oficina de vasos.

Imagem da tela de Velázquez m que aparecem várias tecelãs

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A lenda de Aracne foi retratada em As Fiandeiras, pintura a óleo de Velázquez

No entanto, essas ainda são figuras muito isoladas. A verdadeira história das mulheres pintoras gregas — entre as quais estão as lembradas por Plínio — começa após o reinado de Alexandre.

Então viveram Helena, a egípcia, Timarete, Irene de Atenas, Anexandra, Aristarete, entre outras, que se formaram com seus pais, todos eles pintores reconhecidos.

Por meio de estudos minuciosos, temos tentado inseri-las em seu contexto, embora, precisamos confessar, na maioria dos casos não conseguimos lhes atribuir obras concretas, nem mesmo através de cópias.

Sim, podemos imaginar a maestria da grande Laia de Cízico, brilhante artista do século 1 a.C. De sua época data um retrato de uma mulher em mosaico, conservado no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles, que pode ser considerado o ponto de partida iconográfico ou compositivo dos "retratos de Faium", dos quais chegaram até nós centenas, no vale do Nilo.

Foi mais fácil nos aproximar dessas figuras, e de outras pintoras da mesma época, por meio de pinturas encontradas em Pompeia, Herculano ou no distante Egito. Vários dos afrescos descobertos nas cidades do Vesúvio mostram a atividade de mulheres artistas em seus ateliês.

A pintora que mais interessou a Plínio foi Laia. Lhe fascinava sua virgindade e sua preferência por trabalhar com modelos femininas. Na opinião do autor, se ela permaneceu sempre "donzela" não foi por razões religiosas, mas "pela pura integridade de sua mente". Foi "a força de seu pudor" que a afastou de modelos masculinos.

Podemos sorrir diante de tamanha ingenuidade, mas não devemos esquecer que esse critério serviu de base teórica, durante a Idade Média, para afastar as artistas dos temas heroicos e mitológicos, tão prósperos em anatomias.

*Marta Carrasco Ferrer é professora titular de História da Arte e Humanidades da Universidade Camilo José Cela, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).