Erika Hilton protestou. Elu quer impor a todes nós a língua delus, mas perdeu o amparo do governo. Lula (digo, Lule) sancionou a Política Nacional de Linguagem Simples, inclusive a adição parlamentar do veto à linguagem neutra. Todes falaremos português, ao menos nas comunicações governamentais.
A lei determina linguagem clara, direta e objetiva. Linguagem simples implica rejeição ao hermetismo pedante, não renúncia a um vocabulário extenso, ferramenta do rigor conceitual e do registro de nuances. Sugiro que juízes e advogados adotem a regra. Valeria também para acadêmicos: artigos e teses escritos em termos cifrados cumprem a função exclusiva de ocultar a vacuidade de ideias num simulacro pelicular de profundidade.
A iniciativa assinala uma ruptura, às vésperas do ano eleitoral. Lá em 2023, nas cerimônias de posse de ministros, Alexandre Padilha e Janja esmeraram-se no emprego da linguagem neutra. Os ministérios da Gestão, da Saúde e das Mulheres a oficializaram. Pobre Brasil: a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação clamou por sua inclusão nos currículos escolares.
Militantes identitários mantêm o direito de falar e escrever na sua língua estranha. A prática sectária só traz prejuízo a eles mesmos, que se tornam ininteligíveis aos demais –o que provavelmente é bom para os demais. Nada os proíbe de continuar a definir como "linguagem inclusiva" uma língua excludente, incompreensível aos 99,9% que vivem fora da bolha de ativistas febris. Mas já não podem utilizar o poder estatal para subordinar a nação às suas doutrinas e ideologias.
Governantes de índole democrática querem governar as coisas, isto é, os bens públicos. Governantes de inclinações autoritárias almejam reformar as mentes, operando como pedagogos da cidadania. A mudança da língua comum por atos oficiais desvela a tentação de moldar, de cima para baixo, as relações interpessoais. O Estado converte-se em Estado-militante.
"Vamos decretar que a partir de 1º de outubro o Natal recomeça na Venezuela", anunciou Maduro, repetindo um decreto de 2020. Ditaduras ideológicas cultivam o hábito de invadir os domínios da cultura, a fim de exercer controle social.
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A língua ocupa lugar mais relevante que as festividades tradicionais: é a coluna vertebral da cultura. Pertence à esfera da infância, da memória latente, dos intercâmbios familiares e da sociabilização. Muda com o tempo, mas sua dinâmica pulsa nos ritmos de incontáveis fricções microscópicas cotidianas. A "língua viva" não é, nunca, um fruto de leis ou decretos. A difusão social da linguagem neutra exigiria o exercício de inclemente repressão. O sonho dourado dos ativistas solicita nada menos que um regime totalitário.
Os dois jornais marxistas pioneiros nos EUA foram fundados por alemães que imigraram após as revoluções de 1848: Die Revolution e Proletarierbund, órgão da Liga Americana dos Trabalhadores, seção da Primeira Internacional. Numa troca de missivas com os criadores, Karl Marx recusou-se a oferecer orientações de linha política, advertindo-os que, antes de tudo, precisavam aprender a falar e escrever em inglês, a língua franca do país.
A esquerda identitária segue rumo oposto, segregando-se na caverna de uma língua exclusiva. A lei sancionada por Lula diz que isso é problema dela, não nosso.

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