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Vídeo da tornozeleira expõe dissonância cognitiva de apoiadores de Bolsonaro

Em 1954, o psicólogo social norte-americano Leon Festinger e outros dois colegas se infiltraram em uma seita cujos seguidores acreditavam que o mundo acabaria no amanhecer do dia 21 de dezembro daquele ano.

A líder do grupo, chamada pelos autores de Marian Keech, era uma dona de casa de Chicago (EUA) que praticava psicografia e garantia que havia recebido alertas de alienígenas do planeta "Clarion" sobre a chegada de uma enchente catastrófica. Os que tivessem fé na mensagem, porém, seriam poupados e resgatados por um disco voador à meia-noite do dia D.

No dia 20, os seguidores se reuniram para iniciar os preparativos para o resgate –eles acreditavam que deveriam se desfazer de qualquer item de metal, como zíperes e alças de sutiãs, para ingressar no disco voador. Calmamente, esperaram até a meia-noite.

Na sala de Keech havia dois relógios, um mais adiantado do que o outro. Quando um deles indicou a virada para a madrugada e nada aconteceu, os seguidores se convenceram de que o outro marcava a hora correta. Quando este também anunciou a meia-noite e nada de disco voador, o grupo continuou em silêncio.

Ao longo da madrugada, os presentes começaram a elaborar justificativas para a ausência do resgate. Às 2h, já estavam bastante agitados. Às 4h45, Keech disse ter recebido uma nova mensagem do "Deus da Terra": o mundo havia sido poupado diante de tamanha fé daquele pequeno grupo.

A maioria dos seguidores acreditou na visão da líder e ficou em êxtase, chamando os jornalistas para contar as boas novas.

Os pesquisadores observaram que os integrantes mais comprometidos (os que haviam deixado seus empregos, terminado relacionamentos ou doado dinheiro antes da chegada do esperado disco voador) tiveram mais dificuldade de encarar a realidade e aceitar a falsidade da crença.

Eles experienciavam o que Festinger cunhou de dissonância cognitiva: o incômodo psicológico que surge quando se revela uma inconsistência entre ideias, crenças, valores e ações. Por exemplo, uma pessoa que sabe que cigarro faz mal, mas ainda assim continua fumando. Para racionalizar o comportamento, ela diz para si mesma que fumar a deixa relaxada.

Festinger tinha duas hipóteses. A primeira supunha que, diante do desconforto da dissonância, a pessoa tentaria reduzi-la, buscando consonância (por isso surgiriam as tentativas de racionalização). A segunda presumia que a pessoa também tentaria evitar situações e informações que potencialmente aumentariam a dissonância.

É neste estado que permanecem os apoiadores mais aguerridos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), preso preventivamente no sábado (22) após ter violado sua tornozeleira eletrônica com ferro de solda, segundo ele mesmo afirmou a uma agente em vídeo que viralizou nas redes.

Uma análise da Palver em mais de 100 mil grupos públicos de WhatsApp e Telegram de 21 a 23 de novembro revelou as reações de bolsonaristas ao episódio. Inicialmente, seguidores do ex-presidente afirmavam nos grupos que não havia ocorrido qualquer tentativa de violação da tornozeleira, mas, sim, uma falha do equipamento, e que a decisão do ministro Alexandre de Moraes era excessiva.

Após a circulação do vídeo em que Bolsonaro assume ter usado o ferro de solda, seus apoiadores passaram a se esforçar para questionar a evidência, colocando em xeque a autenticidade de sua voz, de sua perna ou a ausência da queimadura que "deveria ter sido causada pelo calor do ferro". Segundo a Palver, mais de 38% dos usuários que falaram sobre o tema nos grupos negaram que o ex-presidente tenha tentado violar a tornozeleira.

Os bolsonaristas mais comprometidos com a causa partem de uma crença: Bolsonaro é um mito perseguido pelo Supremo Tribunal Federal. Quando a realidade arrombou a porta, e o ex-presidente foi flagrado assumindo ato esdrúxulo e irregular, que justificava a prisão preventiva, estes seguidores entraram em dissonância cognitiva. Só lhes restou buscar justificativas fantasiosas para apaziguar a angústia psíquica.

Não é a primeira vez que se observa este fenômeno entre os seguidores mais radicais do ex-presidente. Difícil esquecer do transe coletivo após a derrota para o presidente Lula (PT) em 2022, quando apoiadores golpistas diziam que seria preciso 72 horas nas ruas para que Bolsonaro e as Forças Armadas interviessem e anulassem o pleito. Cada vez que o prazo chegava ao fim, o grupo criava novas justificativas para explicar por que seria preciso aguardar mais 72 horas pelo milagre.

A prisão de Bolsonaro sinaliza comprometimento das instituições na defesa da democracia, mas não anula os graves efeitos sociais de sua passagem pela Presidência, quando incutiu no eleitorado teorias conspiratórias e paranoides como a suposta fraude no sistema eleitoral, que nunca ocorreu.

Assim como os seguidores mais fervorosos da sra. Keech, os de Bolsonaro romperam relacionamentos, brigaram com familiares, perderam empregos e passaram a viver isolados de todos, exceto de outros eleitores radicais, como se observou nos acampamentos golpistas em 2022.

Aliados do ex-presidente lamentam a condenação a 27 anos de prisão. Para os apoiadores mais comprometidos, a prisão às próprias crenças pode ser perpétua.

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