Um evento em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado há 50 anos pela ditadura militar, busca recriar, neste sábado (25), o ato inter-religioso feito uma semana após a morte e que ficou marcado como um dos protestos mais emblemáticos contra o regime.
A data marca os exatos 50 anos da morte de Herzog e reunirá na Catedral da Sé, no centro de São Paulo, três representantes de religiões diferentes para uma celebração, a exemplo do que ocorreu em 1975. Na ocasião, o arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright promoveram um ato ecumênico em contestação à versão dada pela ditadura de que Herzog havia cometido suicídio.
Em 2025, a tarefa de conduzir a cerimônia caberá ao arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, ao rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Beth-El, e à pastora presbiteriana Anita Wright –filha de Jaime Wright. O ato é organizado pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Comissão Arns.
"Recordar é sempre útil para não cair nos mesmos erros do passado; ao mesmo tempo, ajuda a manter viva a lembrança e o testemunho daqueles que contribuíram para que se alcançasse o fim das violências, do regime de medo e o retorno à normalidade da vida democrática. Tentarei dizer que a convivência democrática, conquistada com o sacrifício de muitas vidas, necessita da participação e da vigilância de todos ainda hoje", disse dom Odilo à Folha.
Uri Lam foi convidado apenas dois dias antes do ato. Inicialmente, o judaísmo seria representado pelo rabino Ruben Sternschein, da Congregação Israelita Paulista, mas denúncias de que ele teria cometido assédio sexual contra fiéis, reveladas pela revista Piauí na quarta-feira (22), levaram a organização a trocar o celebrante.
O ato deste sábado terá início às 19h e, além das falas dos religiosos, são previstas apresentações musicais, como a do Coro Luther King, e a exibição, em vídeo, da leitura de uma carta de Zora Herzog, mãe de Vlado, pela atriz Fernanda Montenegro.
Convidado para o evento, o presidente Lula (PT) cumpre uma série de agendas na Malásia e será representado pelo vice Geraldo Alckmin (PSB).
A morte de Herzog, em 25 de outubro de 1975, mobilizou protestos, greves estudantis e questionamentos públicos em meio ao estado de exceção que coibia –e punia– contestações ao regime militar.
Diretor da TV Cultura, Vlado, como era conhecido, compareceu de forma espontânea à sede do DOI-Codi do Exército, na capital paulista, para falar sobre a sua militância no PCB (Partido Comunista Brasileiro). O regime promovia, então, diversas prisões de quadros ligados à organização –a principal no campo da esquerda e refratária à luta armada contra a ditadura.
Vlado morreu após ser submetido a intensas sessões de tortura e teve a morte divulgada como suicídio, provocando revolta em diversos setores da sociedade.
Os três religiosos por trás do ato de 1975, já críticos e atuantes contra a ditadura, anunciaram a celebração nos principais veículos do país e reuniram, em 31 de outubro daquele ano, cerca de 8.000 pessoas na Catedral da Sé.
Na ocasião, 800 policiais armados foram mobilizados para fechar as principais vias de acesso ao centro da cidade, provocando congestionamentos por toda a capital durante cinco horas. No entorno da Sé, 500 policiais à paisana fiscalizavam o vai e vem de manifestantes, muitos deles estudantes da USP, onde Herzog foi professor, enquanto agentes da repressão também monitoravam o ato no interior da catedral.
"Lembro de meu pai relatar a dificuldade que enfrentou para chegar até a Catedral da Sé, por conta dos bloqueios armados pelos militares nas principais vias de acesso. A parte final do percurso foi feita de metrô, e assim ele conseguiu chegar a tempo", disse Anita Wright à reportagem.
Para o seu discurso, ela pretende utilizar como base os ensinamentos do Salmo 23 ("O senhor é meu pastor, e nada me faltará"), o mesmo lido por seu pai na ocasião do ato de 1975. "É um salmo muito conhecido e presente nas liturgias dos judeus, católicos e protestantes, representados no ato ecumênico", afirmou.
O rabino Henry Sobel, que já havia desafiado a ditadura ao se negar a sepultar Herzog, judeu, como suicida, pregou o respeito aos homens e declarou que a missão de um religioso "não reside apenas dentro dos templos, mas também no contexto social e político", em especial na defesa aos direitos humanos.
Dom Odilo defendeu que as religiões "têm o papel de ajudar a formar a consciência crítica das pessoas em relação aos valores e contravalores da sociedade".
"O encontro na Catedral da Sé, 50 anos após o assassinato de Vladimir Herzog, quer fazer ressoar mais uma vez isto: não matarás; não farás injustiça nem violência ao teu próximo", afirmou.
Na fala de dom Paulo Evaristo Arns, o arcebispo lembrou que "não matarás" é um dos dez mandamentos que servem de guia para as religiões judaico-cristãs. "Quem matar, se entrega a si próprio nas mãos do senhor da História e não será apenas maldito na memória dos homens, mas também no julgamento de Deus", declarou à ocasião.
Em um informe interno do Ministério da Justiça, datado de 5 de novembro de 1975, a DSI (Divisão de Segurança e Informações), que vigiava e denunciava opositores ao governo, disse que o ato "adquiriu uma conotação nitidamente política" e que havia entre os presentes "uma falta de compostura que não é própria aos atos religiosos, mas sim aos comícios esquerdistas".
"Destaque-se, finalmente, as palavras de D. Paulo Evaristo Arns, cuja homilia lembra o ‘não matarás’. O tema escolhido não deixa nenhuma dúvida quanto ao sentido conotativo que se quis dar à cerimônia", diz o documento.
A ditadura apresentou uma planta da Catedral da Sé, mostrando como havia ficado a disposição dos presentes, e afirmou que "tudo isso dava a ideia de um ato dirigido por especialistas muito conhecedores da propaganda".
"Era um público conscientemente oposicionista; uma facção que estava ali presente, não por simples acaso ou por espontânea solidariedade sentimental, como pretensamente, mas adredemente preparados."
O ato teve a presença de figuras como o filósofo francês Michel Foucault e o historiador Sergio Buarque de Hollanda, além de políticos, jornalistas, sindicalistas, religiosos e estudantes.
Herzog já havia sido homenageado outras vezes na Sé, como na ocasião de 40 anos de sua morte. Em entrevista à Folha, o filho mais velho de Vlado, Ivo Herzog, declarou que o ato do próximo sábado (25) será também uma forma de defesa da democracia.
"Se era uma coisa dada, de repente a gente descobre que é frágil e que por um triz não voltamos a um novo período de autoritarismo", disse.
Anita Wright concorda que o contexto atual, em especial após a tentativa de golpe de Estado em 2022, que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a mais de 27 anos de prisão, demanda "reafirmar que não abrimos mão de nossa democracia e soberania nacional".
"O ato não pretende ser uma manifestação partidária, mas, certamente, também será uma forte mensagem em favor da democracia", afirmou dom Odilo.

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11 horas atrás
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