- Author, Ángel Bermúdez
- Role, Da BBC News Mundo
Há 17 minutos
Em um banco tradicional, o valor da taxa de juros é uma informação essencial para qualquer operação. Mas, em bancos islâmicos, essa taxa não existe.
Os poupadores e investidores que recorrem a uma instituição financeira convencional buscam saber quanto irão ganhar pelos seus depósitos, enquanto os devedores desejam saber quanto a mais terão que pagar.
Nos bancos islâmicos, no entanto, nem se cobram nem se pagam juros. Na verdade, eles são proibidos.
Isso porque esse tipo de instituição opera de acordo com os princípios da sharia, a lei islâmica que rege a vida dos muçulmanos.
Dessa mesma lei derivam outros princípios, como, por exemplo, o de que o dinheiro não deve causar danos.
"Consequentemente, os serviços financeiros islâmicos não investem em áreas como bebidas alcoólicas, tabaco ou jogos de azar", explica em seu site o Banco da Inglaterra, o banco central do Reino Unido e uma das instituições financeiras ocidentais que, nos últimos anos, se abriu às finanças islâmicas.
Mas, afinal, por que existe a proibição de cobrar juros?
Dinheiro e economia real
Celia de Anca, professora de Finanças Islâmicas na Universidade IE, na Espanha, explica que o repúdio aos juros não é exclusivo da cultura islâmica, mas tem raízes compartilhadas com o Ocidente.
"Nas tradições tanto judaico-cristã quanto islâmica, os juros eram proibidos, e em países como Espanha e França ainda existem leis contra a usura. A usura é o excesso de juros", diz a especialista à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"Nas três tradições, sempre se proibiu o excesso de juros. A questão é: o que é excesso? Para os islâmicos, qualquer juro já seria excessivo. Portanto, todos são proibidos", completa.
De Anca acrescenta que, na tradição ocidental, também existia uma proibição aos juros, que foi sendo moldada ao longo dos anos até ser incorporada nas leis contra a usura que eram vigentes em diversas partes do mundo.
Além disso, as finanças islâmicas buscam que os lucros provenham de atividades relacionadas à economia real.
"As finanças islâmicas baseiam-se na crença de que o dinheiro não deveria ter valor em si mesmo. É apenas uma forma de trocar produtos e serviços - esses, sim, têm valor", aponta o Banco da Inglaterra em seu site.
"Em outras palavras, não deveria ser possível ganhar dinheiro com dinheiro. Isso significa que, sempre que possível, deve-se evitar pagar ou receber juros", acrescenta.
De Anca explica que o repúdio aos juros também está presente em figuras importantes da teologia cristã, como São Tomás de Aquino.
Nas palavras do professor e pesquisador mexicano Héctor Zagal Arreguín: "São Tomás aceita que cada objeto tem uma finalidade própria e um valor de troca por si só. No entanto, ele concebe o dinheiro como um objeto de troca cujo valor atual não pode aumentar sem a mediação e o trabalho de um agente".
Na cultura islâmica, rejeita-se igualmente a ideia de que o dinheiro não provenha da economia real e, em vez disso, se promova a especulação e a obtenção de lucros sem que haja esforço ou trabalho envolvidos.
Então, como os bancos islâmicos fazem negócios?
Juros, não; lucro, sim
O fato de não cobrar juros obriga os bancos islâmicos a operarem de maneiras diferentes, mas isso não significa que trabalhem com prejuízo ou sem fins lucrativos.
"Uma coisa são os juros, outra são os lucros. O banco islâmico está, claro, a favor dos lucros. Além disso, o mundo islâmico tem uma tradição comercial, sempre muito ligada ao comércio, como as caravanas na época medieval, por exemplo", destaca De Anca.
"E quando se trata de lucros, não há uma ética de moderação, como talvez exista na tradição católica. Essa moderação não existe. Estamos falando de lucros, e quanto mais, melhor, mas esses lucros devem seguir certas regras."
Por exemplo, os bancos islâmicos podem financiar operações comerciais de compra e venda ou projetos produtivos no modelo de capital de risco; ou seja, a instituição participa tanto dos lucros quanto das perdas geradas pela operação.
"O banco pode investir capital em um projeto e, à medida que ele gera resultados, pode haver uma divisão de lucros ao longo do tempo ou ao final. Essa divisão não precisa ser 50-50, pode ser 80-20 ou de qualquer outra forma, dependendo do que cada parte contribuiu", explica De Anca.
Segundo o Banco da Inglaterra, "as finanças islâmicas também promovem a parceria, de forma que, sempre que possível, os lucros e os riscos devem ser compartilhados, seja entre duas pessoas, uma pessoa e uma empresa ou entre empresas".
No caso das operações com pessoas físicas, aplicam-se os mesmos princípios.
Por exemplo, se uma pessoa abre uma conta poupança em um banco islâmico, ela não receberá juros pelo dinheiro depositado, mas poderá obter parte dos lucros provenientes das atividades em que o banco tenha investido esses fundos.
Para aqueles que necessitam de um empréstimo bancário, como para comprar uma casa, existem várias modalidades possíveis, conforme explica De Anca:
- O banco compra a propriedade e a aluga para a pessoa até que o valor total seja quitado, num tipo de leasing (arrendamento mercantil)
- O banco e a pessoa compram a casa em sociedade. Em seguida, o cliente aluga a parte do banco e vai adquirindo gradualmente sua parte, até se tornar o único proprietário da casa em um momento acordado.
- Revenda com acréscimo: o banco compra a casa e a revende para a pessoa com um valor maior, incluindo uma comissão para cobrir seus custos e obter lucro.
Essa última modalidade é mais difícil de implementar em muitos países ocidentais devido a questões tributárias. Em lugares onde há imposto sobre vendas, corre-se o risco de haver dupla tributação (quando o banco compra a casa e quando a revende ao cliente), o que aumenta significativamente o custo final.
No entanto, De Anca ressalta que, em países como o Reino Unido, foram feitos ajustes legais para que essas operações paguem o imposto apenas uma vez, considerando que, na prática, o banco atua apenas como intermediário para conceder o financiamento.
Um setor no auge
Embora as finanças islâmicas operem de acordo com os princípios antigos da sharia, De Anca destaca que o banco islâmico é, na verdade, um fenômeno relativamente recente e moderno.
"Os bancos islâmicos começam a se desenvolver nas décadas de 1950 e 1960, com algumas iniciativas no Paquistão e no Egito, mas é sobretudo a partir dos anos 1970, com o boom do petróleo", explica a especialista.
"Naquela época, havia muitos indivíduos com grande capital que pediam aos gestores convencionais que administrassem seu dinheiro de uma maneira islâmica e, portanto, sem juros."
De Anca considera que se trata de um movimento que surgiu de baixo para cima, impulsionado pelas demandas das pessoas.
"Houve muita demanda de pessoas que queriam tanto investir quanto obter dinheiro de acordo com seus valores islâmicos e, então, surgiu uma indústria capaz de oferecer uma série de instrumentos para atender a essa demanda", aponta.
Segundo a especialista, o crescimento dessa oferta de serviços financeiros compatíveis com a sharia também contribuiu para o aumento dos níveis de bancarização no mundo.
"A maioria dos bancos nos países islâmicos é convencional, e por isso sempre houve uma parcela significativa da população que não queria ou não acessava os bancos, pois eles operavam contra os princípios de sua religião", afirma.
De Anca explica que essa era uma das razões pelas quais, em países de maioria islâmica, havia uma grande parcela da população não bancarizada. Contudo, esse número tem diminuído cada vez mais, graças à existência do banco islâmico.
Em 2022, o valor dos ativos financeiros geridos no mundo de acordo com os princípios islâmicos somava cerca de US$ 4,5 trilhões (R$ 27 trilhões), e a estimativa é de que, até 2027, esse montante alcance US$ 6,7 trilhões (R$ 40,4 trilhões), segundo um relatório publicado neste ano pelo Observatório de Finanças Islâmicas da Espanha SCIEF – Casa Árabe.
Mais de 70% desses ativos são geridos através de bancos islâmicos, presentes em 77 países.
A maior parte dos ativos financeiros islâmicos está concentrada nos países membros do Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo (53,60%), seguidos pelos países do Sudeste Asiático (23,30%), Oriente Médio e Ásia Meridional (18,60%). África e Europa também aparecem, mas com uma proporção menor, representando 2,7% e 1,7% do total de ativos, respectivamente.
A América Latina não aparece mencionada no relatório.
De acordo com o "Relatório sobre o estado global da economia islâmica 2023-2024", elaborado pela consultoria DinarStandard, o México está avaliando a possível emissão de um sukuk (um título de dívida que segue os preceitos da sharia), o que marcaria sua entrada no mundo das finanças islâmicas.
No entanto, é pouco provável que algum banco islâmico comece a operar na América Latina em breve.
"Não existe nenhum banco islâmico operando na América Latina, nem se espera que isso aconteça", afirma Gonzalo Rodríguez Marín, professor de Finanças e Economia Islâmica da IE University
Ele explica que há dois motivos principais que tornam improvável o estabelecimento desse tipo de instituição financeira na região:
"Por um lado, não há uma população muçulmana suficientemente grande na região para que exista uma demanda atrativa o suficiente para a instalação de um banco islâmico", explica Marín.
"Por outro lado, a abertura de atividades de bancos islâmicos exige uma adequação legislativa específica, o que implica vontade política. Isso, por sua vez, demandaria um esforço para explicar essas mudanças à população, e esse tema não está na agenda política dos partidos latino-americanos", conclui.
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