- Author, Sam Gruet e Megan Lawton
- Role, Repórteres de tecnologia, BBC News
Há 10 minutos
"Recebo muito ódio", diz a criadora de conteúdo Winta Zesu.
Em 2023, ela ganhou US$ 150 mil (cerca de R$ 900 mil) com postagens nas redes sociais.
O que diferencia Zesu de outros influenciadores é que as pessoas que comentam nas suas postagens e levam tráfego para os seus vídeos, muitas vezes, são levadas pela raiva.
"Cada vídeo meu teve milhões de visualizações devido aos comentários de ódio", explica a jovem de 24 anos.
Nos vídeos, ela documenta a vida de uma modelo na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Seu maior problema é ser bonita demais.
O que algumas pessoas que fazem comentários não percebem é que Zesu está interpretando uma personagem.
"Recebo muitos comentários desagradáveis", conta ela, do seu apartamento em Nova York. "As pessoas dizem 'você não é a menina mais bonita' ou 'por favor, baixe a bola, você tem confiança demais'."
Winta Zesu faz parte de um grupo cada vez maior de criadores online que elaboram conteúdo que serve de "isca de ódio" (rage-baiting, em inglês).
O objetivo é simples: gravar vídeos, produzir memes e escrever postagens que provoquem raiva visceral nas pessoas. Com isso, elas contam milhares, até milhões de curtidas e compartilhamentos.
O rage-baiting é diferente do seu primo clickbait, muito comum na internet. Neste, usa-se uma manchete para incentivar o leitor a clicar para ver um vídeo ou reportagem.
"A isca de ódio é criada para manipular as pessoas", diz a produtora de podcasts de marketing Andréa Jones.
Mas a atração exercida pelo conteúdo negativo sobre a psicologia humana está incrustada em nós, segundo William Brady, que estuda as interações do cérebro com as novas tecnologias.
"No passado, este era o tipo de conteúdo em que realmente precisávamos prestar atenção", explica ele. "Por isso, temos esses vieses embutidos na nossa atenção e no nosso aprendizado."
O crescimento das iscas de ódio coincidiu com o aumento do pagamento por conteúdo, por parte das principais plataformas de redes sociais.
Esses programas de criadores recompensam os usuários pelas curtidas, comentários e compartilhamentos. Eles permitem a postagem de conteúdo patrocinado e são considerados responsáveis pelo aumento do rage-baiting.
"Se observarmos um gato, nós dizemos 'oh, que bonito' e rolamos a imagem. Mas, se virmos alguém fazendo algo obsceno, podemos comentar 'isso é terrível'", explica Jones. "E o algoritmo considera este tipo de comentário como engajamento de melhor qualidade."
"Quanto mais conteúdo um usuário criar, mais engajamento ele consegue e mais ele recebe", prossegue ela, com ar preocupado. "Por isso, alguns criadores farão de tudo para conseguir mais visualizações, mesmo se for algo negativo ou se incitar a raiva e o ódio nas pessoas. Isso gera desvinculação."
O conteúdo criado para gerar ódio pode vir de muitas formas, desde receitas de alimentos absurdos até ataques contra o seu astro pop favorito. Mas, em um ano de eleições em todo o mundo como 2024, a prática também se difundiu para a política, especialmente nos Estados Unidos.
Brady observa que "houve um pico no período que antecedeu as eleições [americanas], pois é uma forma eficaz de mobilizar seu grupo político para talvez votar e agir".
Ele destaca que as eleições americanas foram fracas em questões políticas, mas centralizadas em torno do ódio. "Elas foram hiperfocadas em 'Trump é horrível por este motivo' ou 'Harris é horrível por aquela razão'."
Estudiosos destas tendências estão preocupados com o excesso de conteúdo negativo, que pode levar a pessoa média a se "desligar".
"Pode ser muito cansativo ter todas essas emoções fortes, todo o tempo", afirma a professora de comunicações Ariel Hazel, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. "Isso os desliga do ambiente jornalístico e estamos observando cada vez mais pessoas evitando ativamente as notícias em todo o mundo."
Outros se preocupam com a normalização do ódio fora da internet e os efeitos prejudiciais sobre a confiança das pessoas no conteúdo que elas observam.
"Os algoritmos amplificam o ódio e fazem as pessoas pensarem que aquilo é mais normal", afirma o psicólogo social William Brady.
Brady destaca que "o que sabemos de certas plataformas, como o X, é que o conteúdo extremista político, na verdade, é produzido por uma fração muito pequena da sua base de usuários, mas os algoritmos podem amplificar aquilo como se fosse uma grande maioria".
A BBC entrou em contato com as principais redes sociais sobre a prática de rage-baiting nas suas plataformas, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Em outubro de 2024, o executivo da Meta Adam Mosseri comentou no Threads o "aumento das iscas de engajamento" na plataforma. Ele destacou: "Estamos trabalhando para mantê-las sob controle."
Já seu concorrente Elon Musk, dono da plataforma X, anunciou recentemente alterações no seu Programa de Compartilhamento de Receita com Criadores.
O programa irá recompensar os criadores de conteúdo com base no engajamento dos usuários premium do site, como suas curtidas, respostas e repostagens. Os pagamentos anteriores se baseavam nos anúncios observados pelos usuários premium.
O TikTok e o YouTube oferecem aos usuários a possibilidade de ganhar dinheiro com suas postagens ou compartilhando conteúdo patrocinado. Mas as duas plataformas têm regras que permitem desmonetizar ou suspender os perfis que postarem desinformação. Já o X não tem orientações similares a este respeito.
Nossa conversa com Winta Zesu em Nova York ocorreu dias antes das eleições americanas e não poderíamos deixar de falar de política.
"Não concordo com pessoas que usam iscas de ódio por motivos políticos", disse a criadora de conteúdo. "Se eles estiverem realmente usando aquilo para informar e instruir as pessoas, tudo bem. Mas, se eles usarem para espalhar desinformação, discordo totalmente."
"Isso deixa de ser brincadeira", conclui ela.
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