Encerrados os trabalhos da COP30, em Belém, todas as análises coincidem em apontar o esforço coordenado dos países produtores de petróleo —notadamente Arábia Saudita e Rússia— em vetar qualquer iniciativa global visando ao abandono progressivo do uso de combustíveis fósseis. O êxito dessa estratégia ficou claro: o termo "combustíveis fósseis" nem sequer consta da declaração final da reunião.
Não há dúvida de que isso representou uma derrota para o enfrentamento do aquecimento global. A questão que pretendo discutir é se, a essa "derrota", corresponde realmente uma vitória do setor de óleo e gás a longo prazo.
Ao buscar a resposta, lembrei-me do artigo "Miopia no Marketing", de Theodore Levitt —leitura obrigatória da GV nos anos 1970—, e da minha própria experiência no setor bancário.
Por volta de 1910, conta Levitt, um milionário de Boston —pai amoroso, mas provavelmente pouco convencido das habilidades financeiras de seus filhos— determinou que toda a sua fortuna permanecesse investida em ações de companhias de bondes elétricos, condenando seus herdeiros à pobreza. Levitt usa essa anedota para sustentar sua tese: empresas não fracassam pela obsolescência de seus produtos, mas por definirem mal o mercado em que atuam, concentrando-se no que produzem, não nas necessidades de seus clientes. Assim ocorreu com as ferrovias americanas, que se viam no "negócio de trens", não no de transportes.
A ideia é simples, mas poderosa. Ao longo de minha carreira bancária —voltada em grande parte ao atendimento de grandes empresas—, procurei sempre privilegiar a proximidade com os clientes e a compreensão de suas necessidades, deixando que os produtos surgissem como resposta, não como ponto de partida. Quando as demandas mudavam, mudavam também as soluções.
Nos anos finais como executivo, já responsável também pelo varejo, deparei-me com a dificuldade de aplicar os ensinamentos de Levitt quando isso exige mudanças profundas. Para empresas estabelecidas (incumbentes), distinguir entre a ameaça real e o modismo passageiro requer tempo. Uma inovação não surge nem se afirma como solução superior da noite para o dia: precisa atravessar um período de teste, aprendizado, desconfiança e prejuízos.
A demora, frequentemente verificada na reação, não decorre apenas da aversão natural que todos temos à mudança —"quem gosta de mudança é a Lusitana", dizia um amigo—, mas principalmente da sensação de conforto oferecida pela crença nas chamadas "barreiras de entrada", existentes em todas as áreas de negócio… até que deixam de existir.
Para as empresas ferroviárias de 1900, os trilhos implantados entre as principais cidades pareciam barreira intransponível. Afinal, quem faria uma nova ferrovia em percurso já atendido?
O equivalente aos trilhos, no setor bancário de varejo, era a rede de agências. Durante décadas, a expansão se deu pela abertura de unidades: uma grande rede permitia atender mais público, obter escala e oferecer produtos a custo competitivo. Para um novo entrante, seria quase impossível competir sem adquirir um banco preexistente.
Até que não.
Surgiram os bancos digitais, que alcançam parcela relevante dos clientes —especialmente os mais jovens— sem necessidade de agências, a custo muito inferior e oferecendo atendimento que encanta seu público. Naquele momento inicial, ainda havia dúvidas quanto à viabilidade do modelo. Conseguiriam tornar-se rentáveis? Saberiam lidar com a complexidade do crédito? Poderiam evoluir além de plataformas monoproduto e oferecer ampla gama de serviços?
A tentação de simplesmente esperar para ver é grande, mas seria erro grave. Independentemente do êxito que os novos concorrentes viessem a alcançar, o fato inegável era o surgimento de forma de atendimento que correspondia às expectativas de muitos clientes. Isso bastava para justificar o empenho em incorporar os novos aprendizados e adaptar o modelo de negócios.
Recordo uma frase que li à época: "Incumbentes precisam encontrar a inovação antes que os inovadores encontrem o mercado".
Encontrar a inovação não se resume a oferecer novo produto. É promover transformação interna: evoluir sistemas, rever o papel das agências, alterar a forma de organizar o trabalho e, em última análise, a própria cultura da empresa. Processo árduo e longo, que exige dos líderes a humildade de se colocarem como aprendizes.
Felizmente, nos quase cinco anos desde que deixei a posição executiva, o banco no qual trabalhei —de cujo conselho hoje faço parte— intensificou a transformação, aprimorando seus serviços e alcançando melhora perceptível nos indicadores de satisfação dos clientes —resultado da combinação das virtudes dos modelos tradicional e digital. Mais relevante que os resultados é a clareza da liderança de que resta muito a fazer e que os desafios de evolução são permanentes.
Minha intenção ao relatar essa experiência é traçar um paralelo entre os desafios das ferrovias em 1900, dos bancos tradicionais nos últimos 15 anos e aqueles que hoje se apresentam ao setor de energia.
A enorme redução de custos da energia solar e eólica, as novas formas —mais baratas— de armazenamento e a expansão exponencial da oferta dessas fontes colocam o setor fóssil diante do mesmo dilema. Acreditando contar com suas reservas de petróleo como barreira de entrada, muitos líderes não percebem que seu negócio não é o petróleo, mas a energia.
Respondendo à questão inicial, diria que a "vitória" de adiar a transição representa, a longo prazo, uma derrota para o próprio setor fóssil. Ao resistirem às mudanças que já moldam o futuro da energia, seus líderes apenas retardam o processo de transformação de que dependerá sua relevância.
A decisão de iniciar hoje a prospecção de poços cujo petróleo só chegará ao mercado em 12 ou 15 anos corresponde, a meu ver, à escolha de um banco de ampliar sua rede de agências em plena era da revolução digital (eu não investiria nesse banco!). A COP30 mostrou que a pressão externa pode ser contida; o que não se pode conter é a mudança das necessidades dos "clientes" —países, empresas e sociedades que já demandam energia mais barata, limpa e segura. É nesse mercado, não nos barris adicionais, que está o futuro.

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2 horas atrás
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