Fenda de 60 quilômetros de extensão na região de Afar, em uma das áreas mais inóspitas do planeta, aberta após 420 terremotos e atividade vulcânica em 2005

Crédito, Prof. J. R. Rowland, Universidade de Auckland

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Fenda de 60 quilômetros de extensão na região de Afar, em uma das áreas mais inóspitas do planeta, aberta após 420 terremotos e atividade vulcânica em 2005

  • Author, Filipe Vilicic
  • Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
  • Há 45 minutos

Um novo oceano está surgindo na África. Acreditava-se que ele seria fruto de um processo que levaria entre 5 e 10 milhões de anos para ocorrer. Mas novas descobertas científicas apontam que isso pode acontecer antes do previsto.

"Cortamos o tempo para algo como 1 milhão de anos, talvez até metade disso", diz a geocientista Cynthia Ebinger à BBC Brasil. Pesquisadora da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos, ela estuda o tema desde os anos 1980 e se tornou referência no assunto.

Segundo o site Google Acadêmico, Ebinger escreveu, ao longo da carreira, artigos citados mais de 16 mil vezes por seus pares de profissão e publicadas em periódicos científicos do porte da revista inglesa Nature. Em 2023, assinou 17 textos, a maioria dos quais em torno de questões sobre o novo canal oceânico que está sendo aberto na região de Afar, nas fronteiras de três placas tectônicas, a Arábica, a Africana (também chamada de Núbia) e a Somaliana.

A geocientista está atenta ao assunto desde o fim dos anos 1980. Em 1998, publicou na Nature seu artigo de maior repercussão no meio científico, citado mais de 900 vezes por seus pares: Cenozoic magmatism throughout East Africa resulting from impact of a single plume ("Magmatismo do Cenozóico em toda a África Oriental resultante do impacto de um único ponto quente", em livre tradução para o português).

No estudo, analisou a ação de magma no planalto etíope com um modelo que pode ser expandido para a ação de vulcanismo por toda a África Oriental, o que ocorre há 45 milhões de anos.

Também identificou que "os maiores volumes de magma estão nos planaltos etíopes e na África Oriental, com mais de mil quilômetros de largura, atravessados pelo Mar Vermelho, o Golfo de Aden e sistemas de rifte da África Oriental".

Dois cientistas analisam falha no deserto da Etiópia

Crédito, Prof. J. R. Rowland, Universidade de Auckland

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Cientistas estudam falha no deserto da Etiópia: início de novo oceano?

Extensão do Mar Vermelho

"Há um pequeno vulcão no subsolo (dessa região da Etiópia) que está impedindo a passagem de um largo corpo de água salgada", diz Ebinger.

As três placas tectônicas — a Somaliana, à leste; a Africana (ou Núbia), que é mais extensa; e a Arábica, a nordeste — pressionam uma placa menor, a Victoriana. Conforme se expande uma fenda nesse encontro de placas, parte da placa Somaliana pode se desprender em direção ao Oceano Índico, abrindo caminho para o novo oceano.

"Na verdade, não se tratará exatamente de um novo oceano, apesar de comumente chamarmos assim", esclarece Ebinger.

"Visualize como uma expansão do Mar Vermelho."

As três placas tectônicas se movem em ritmos distintos.

A Arábica, distancia-se 2,5 centímetros por ano da África. As outras duas, meio centímetro, cada uma. Esse lento movimento dividirá o continente no meio, cortado por uma imensa massa de água salgada vinda do Mar Vermelho e do Golfo de Aden.

A principal evidência para a teoria vem de um evento colossal ocorrido em 2005. Em setembro daquele ano, 420 terremotos sacudiram o solo de uma área de deserto na Etiópia. A atividade vulcânica lançou cinzas no ar.

No processo, foi aberta uma fenda de 60 quilômetros de extensão na região de Afar, em uma das áreas mais inóspitas do planeta.

Um estudo publicado em 2009, liderado pelo geofísico Atalay Ayele, da Universidade de Addis Ababa, da Etiópia, identificou três fontes de magma que causaram o episódio, nos complexos vulcânicos de Dabbahu-Gab'ho e de Ado'Ale, sendo que a maior parte do fluxo veio deste segundo.

Segundo o texto publicado por Ayele no periódico científico Geophysical Research Letters, essa "crise vulcânica-tectônica" irá "eventualmente formar a morfologia de uma incipiente fenda oceânica".

Em respostas a questionamentos sobre o trabalho enviadas por e-mail pela BBC Brasil, o geofísico esclareceu: "Muitas atividades de ruptura já estão em ação. A placa africana está se movendo para o norte e colidindo com a placa da Eurásia, formando montanhas nos Alpes".

Todo esse processo geológico, todavia, não ocorrerá nem nos próximos séculos, tampouco em poucas dúzias de milênios.

"O mapa sísmico mostra que está surgindo um oceano, mas isso levará milhões e milhões de anos", resumiu Ayele.

Vista aérea da Depressão de Afar

Crédito, Prof. J. R. Rowland, Universidade de Auckland

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Vista aérea da Depressão de Afar, área que em centenas de milhares de anos deve ser inundada por águas do Mar Vermelho e do Golfo de Aden

Talvez antes do que se pensava

No mês passado, Ayele e Ebinger fizeram parte de um grupo de nove cientistas que publicou, no periódico Tectonophysics, um estudo que apresentou um modelo em 3D das ações geológicas ocorridas na região.

Dentre as conclusões, eles detectaram novas e volumosas crostas balsâmicas se formando na região e que a camada sob a Depressão de Afar teria uma espessura menor do que 25 quilômetros.

"Esses padrões sugerem (...) uma zona estreita de início de expansão do assoalho marinho na depressão de Afar", escreveram os pesquisadores no artigo.

"Eventos intensos podem acelerar o processo da abertura da fenda e da passagem de água salgada", teoriza a geocientista Cynthia Ebinger, na entrevista à BBC Brasil, realizada por videochamada.

Ela calcula agora uma estimativa de menos de um milhão de anos para formar o novo oceano, a partir das águas do Mar Vermelho.

"Mas também pode ocorrer um grande terremoto que acelere ainda mais", diz.

"O problema é que a ciência atual não consegue prever com precisão eventos como erupções vulcânicas e terremotos."

As pesquisas sobre a grande fenda formada no deserto da Etiópia pretendem, além de responder a questões sobre acontecimentos que só devem ocorrer em centenas de milhares de anos, criar modelos sísmicos capazes de prever com maior exatidão as futuras catástrofes ambientais.

"Há objetivos mais imediatos, como ajudar a aprimorar a forma como nos preparamos para nos defender (dos fenômenos da natureza)", conclui Ebinger.