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'Primeiro, conquistamos Manhattan'

"Condenaram-me a vinte anos de tédio/ por tentar mudar o sistema por dentro/ Estou chegando agora, estou chegando para recompensá-los/ Primeiro, conquistamos Manhattan, depois conquistamos Berlim". O compositor Leonard Cohen escreveu o verso em 1987, para uma canção que definiu como tributo a "nossos terroristas, Jesus, Freud, Marx, Einstein". Zohran Mamdani nasceria apenas quatro anos depois, mas seu triunfo em Nova York parece a muitos uma confirmação: só o radicalismo salva.

Trump colheu derrotas em série na terça passada, um reflexo da queda livre de sua aprovação desde a posse (de +18% a -1% entre brancos, de -8% a – 37% entre hispânicos e de -37% a -76% entre negros). As vitórias democratas na Virginia e em Nova Jersey inscrevem-se na equação das pesquisas. Nova York, porém, descortinou a opção estratégica que divide os democratas: Cuomo, o pragmatismo centrista, ou Mamdani, o giro à esquerda. Interpreta-se, febrilmente, o resultado como lição.

Um ano atrás, Trump obteve na cidade a maior votação de um candidato presidencial republicano desde 1988, alcançando 30% dos votos. Às vésperas da eleição municipal, o presidente abandonou o candidato de seu partido para endossar Cuomo, contra o "lunático esquerdista" Mamdani.

Numa leitura superficial, pretendia ajudar a eleger o "mal menor". Uma segunda leitura sugere manobra mais sofisticada: como seu apoio é visto como kriptonita pela maioria dos eleitores democratas, a intenção seria incinerar o centrista a fim de exibir o rosto de Mamdani como a face do conjunto do Partido Democrata.

Mamdani descreve-se como um "democrata socialista". Em 2020, no rastro dos protestos de rua contra o assassinato de George Floyd, qualificou a polícia de Nova York como "racista, anti-queer e uma ameaça à segurança pública", clamando pelo "desfinanciamento" do departamento policial municipal. De lá para cá, desculpou-se e assegurou que repudia aquelas opiniões. Os democratas, centristas ou esquerdistas, concluíram corretamente que suas políticas identitárias fracassaram, traçando a via do retorno de Trump à Casa Branca. Mas o consenso termina aí.

O populismo nacionalista e reacionário de Trump recuperou uma classe trabalhadora desprezada pela "nova esquerda" pós-marxista. Bernie Sanders, o pretendente democrata batido por Hillary Clinton, não se cansa de propor a restauração da "velha esquerda": a luta por direitos sociais e econômicos. A campanha de Mamdani, embalada pelo colorido dos filmes de Bollywood e impulsionada por bandos de jovens engajados nas redes sociais, ofereceu uma embalagem contemporânea a um conceito antigo: populismo econômico.

Congelamento dos aluguéis de um milhão de apartamentos, gratuidade nos transportes e creches municipais, mercados públicos subsidiados –as promessas configuram um programa tão ousado quanto arriscado. Seus custos, Mamdani não escondeu, serão cobertos por forte elevação de impostos. À memória de não poucos democratas terá emergido a imagem de Jeremy Corbyn, o socialista britânico que encantou o Partido Trabalhista até levá-lo, em 2019, à mais humilhante derrota eleitoral desde 1935.

Mamdani não pode candidatar-se a presidente, mas lançou o desafio a Trump: "aumente o volume do som". Manhattan, primeiro, depois os EUA. A esquerda democrata dobra sua aposta.

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