Há 18 minutos
Durante toda sua campanha à presidência, o ultraliberal prometeu uma "terapia de choque" para solucionar as inúmeras crises do país, desde a inflação de três dígitos até o aumento da pobreza e a escassez de reservas em moeda estrangeira.
E ele está cumprindo o que prometeu já no início de seu mandato.
Na quarta-feira (20/12), o novo presidente argentino anunciou, em mensagem gravada transmitida pela televisão nacional, a assinatura de um Decreto de Necessidade e Urgência com mais de 300 medidas para desregulamentar a economia — incluindo a revogação de diversas leis e controles que, do seu ponto de vista, restringem a economia.
Elas incluíam uma nova taxa de câmbio do dólar e o corte de ministérios — e não houve referência a duas das principais propostas que Milei fez durante sua campanha: a dolarização da economia argentina e o fechamento do Banco Central.
'Decreto de urgência'
O texto do decreto anunciado por Milei na quarta-feira, que tem 83 páginas e 366 artigos, estabelece a "desregulamentação do comércio, dos serviços e da indústria em todo o território nacional", ao mesmo tempo que confere ao Estado o poder de promover "um sistema econômico baseado em decisões livres".
O texto diz que "serão nulas todas as restrições à oferta de bens e serviços, bem como qualquer exigência regulatória que distorça os preços de mercado, impeça a livre iniciativa privada ou impeça a interação espontânea da oferta e da procura".
"Hoje iniciamos formalmente o caminho da reconstrução", disse Milei.
Num discurso lido, ele apontou o déficit fiscal como responsável pelos males que afligiram a economia do seu país durante o século passado e atribuiu a sua origem a políticos que aplicaram uma "receita" errada.
"Argentinos, hoje é um dia histórico para o nosso país, depois de décadas de fracasso, empobrecimento e anomalias", disse ele antes de listar 30 medidas.
Milei fez seu discurso na Casa Rosada, sede da presidência argentina, acompanhado por todos os seus ministros.
Especialistas em direito constitucional consultados pelo jornal argentino La Nación dizem que o decreto não atende aos requisitos da Constituição.
Segundo eles, Milei ultrapassou seus poderes, avançando sobre as competências do Congresso.
Nas redes sociais, o-presidente argentino Alberto Fernández criticou as medidas de Milei, descrevendo o anúncio como um "evento de extrema gravidade institucional nunca antes visto".
"O Poder Executivo, num ato de claro abuso de poder, avançou sobre as atribuições exclusivas do Poder Legislativo", escreveu Fernández.
Mais privatizações, menos controle
Com o argumento de necessidade e urgência, o governo ordenou a revogação de inúmeras leis, incluindo relacionadas a aluguel, promoção industrial, promoção comercial, entre outras.
As medidas também preveem a conversão de empresas estatais em sociedades anônimas, uma forma de preparar o caminho para a privatização.
No caso da Aerolíneas Argentinas, é estabelecida uma autorização para a transferência total ou parcial do pacote de ações.
O pacote de medidas também procura, segundo o governo, facilitar o comércio internacional através da reforma do Código Aduaneiro.
Outra área afetada é a medicina privada, além do regime das empresas farmacêuticas — com a intenção de incentivar a concorrência para a redução de custos.
O monopólio das agências de turismo também é eliminado pela medida e a desregulamentação dos serviços de internet via satélite busca permitir a entrada de novas empresas como a Starlink, do bilionário Elon Musk.
O decreto assinado por Milei estabelece que a declaração de emergência econômica será prorrogada por um período de dois anos e, como resultado, o governo terá poderes para reformar inúmeras leis por decreto.
Protestos em Buenos Aires
Após o anúncio de Milei, analistas disseram acreditar que sejam apresentados recursos judiciais contra o decreto nos próximos dias — o que poderia afetar quando e como as disposições entrariam em vigor.
O discurso de Milei estava previsto para ser transmitido ao meio-dia da quarta-feira, mas foi prorrogado devido à alta tensão no centro de Buenos Aires.
Isso porque, como de praxe no dia 20 de dezembro, passeatas haviam sido convocadas para lembrar vítimas da violenta repressão que marcou o fim do governo de Fernando de la Rúa em 2001.
Assim que terminou a transmissão do discurso do presidente argentino, em diferentes bairros da cidade de Buenos Aires e sua província, houve panelaços e buzinaços.
À noite, centenas de pessoas marcharam pelo centro de Buenos Aires com as panelas nas mãos, muitas deles em direção ao Congresso argentino.
Análise
Em alguns bairros da capital, foram ouvidos barulhos de panelas e frigideiras após os anúncios de Milei, uma forma típica de protesto dos argentinos.
O anúncio ocorreu poucas horas após o governo enfrentar sua primeira marcha nas ruas, apenas 10 dias após tomar posse.
E ocorreu num dia delicado para muitos argentinos, já que em 20 de dezembro homenageiam-se os mortos nos protestos de 2001, que levaram à renúncia do então presidente Fernando de la Rúa.
O "decretazo" de Milei — como vários meios de comunicação argentinos apelidaram o pacote — modifica ou revoga cerca de 300 leis em vigor hoje e trará mudanças radicais em setores tão diversos como imobiliário, supermercados, turismo, venda de automóveis, medicina e área de trabalho.
Segundo o governo, as mudanças eliminarão burocracias e obstáculos que dificultam a vida dos argentinos, e ajudarão a impulsionar setores econômicos atualmente negligenciados, modernizando o Estado.
Para os críticos, a desregulamentação da economia beneficiará os empresários e deixará desamparados aqueles que já não terão a proteção das regulamentações estatais.
Alguns também questionaram a legalidade das propostas. Parlamentares da oposição criticaram Milei por "ignorar" o Congresso e modificar e revogar regulamentos sem um debate parlamentar.
Aqueles que se sentirem prejudicados pelas mudanças provavelmente levarão suas reivindicações à Justiça, que dará a palavra final sobre a viabilidade de muitas das propostas.
O novo presidente ainda precisa dar detalhes sobre o pacote de leis que pretende enviar ao Congresso e que será a última etapa do seu chamado "plano motosserra" para mudar a Argentina.
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