A batalha pela atenção entrou em uma nova fase. Plataformas que nasceram gratuitas e movidas a publicidade, como Facebook, Instagram, Netflix e Disney+, agora oferecem (ou planejam oferecer) versões pagas sem anúncios. À primeira vista, parece apenas uma forma de dar "opções" ao usuário. Mas, por trás dessa estratégia, há uma reconfiguração profunda do modelo de monetização da internet — e uma tentativa clara das big techs de equilibrar receita, regulação e comportamento do consumidor.
Tudo começou com a Meta. A empresa de Mark Zuckerberg anunciou a assinatura "sem anúncios" para Facebook e Instagram na Europa, em resposta às regras de privacidade do bloco (GDPR), que limitam o uso de dados pessoais para publicidade direcionada.
A proposta é simples e polêmica: o usuário escolhe entre continuar com a versão gratuita, cedendo seus dados para personalização de anúncios, ou pagar cerca de 10 euros por mês para navegar sem publicidade.
Na prática, a Meta não está apenas oferecendo uma opção; está testando um novo equilíbrio entre privacidade digital e lucro. Afinal, o que vale mais: a sua atenção ou o seu dinheiro? Enquanto isso, Netflix e Disney+ fazem o movimento oposto.
Depois de anos sustentando o discurso "sem anúncios", ambas as plataformas lançaram planos mais baratos com propaganda e os resultados já aparecem. Segundo a Netflix, 40% dos novos assinantes globais optam pelo plano com anúncios. A Disney, por sua vez, reportou aumento de 60% na receita publicitária do streaming, impulsionada por novos formatos e parcerias com marcas.
Essas mudanças têm três grandes motivações estratégicas:
- Diversificação de receita: As empresas precisam compensar o esgotamento do crescimento de assinantes. Com o público saturado, a única forma de crescer é ganhar mais por usuário — seja com anúncios ou com assinatura premium.
- Pressão regulatória: Leis de privacidade, como a GDPR na Europa e a LGPD no Brasil, estão tornando o modelo publicitário tradicional menos rentável, exigindo novas formas de monetização.
- Mudança de comportamento do consumidor: O público quer liberdade de escolha. Quer assistir sem interrupção, mas também quer pagar menos. E as plataformas perceberam que podem cobrar das duas formas: quem não paga com dinheiro, paga com dados.
Esse modelo híbrido inaugura uma nova era: a monetização dupla da atenção. O mesmo conteúdo gera receita tanto de quem paga para ver sem anúncios quanto de quem é o alvo dos anúncios. É a consagração da lógica pay or watch — "pague ou assista".
O que está em jogo vai além de uma mudança de modelo financeiro. Trata-se de uma redefinição do valor da privacidade. A Meta, por exemplo, deixa claro que a ausência de anúncios tem preço e que o "grátis" sempre teve custo, apenas disfarçado. Já as plataformas de streaming descobriram que podem usar a publicidade para reduzir o churn (cancelamento) e atrair novos usuários sensíveis ao preço.
Mas há uma questão ética relevante: transformar o direito à privacidade em um produto pago cria um abismo entre quem pode e quem não pode pagar por uma experiência menos invasiva. Na prática, a internet volta a se dividir em duas: uma premium, limpa e fluida; outra gratuita, mas cheia de interrupções e rastreamentos.
O curioso é que esse modelo não é novo. Ele apenas completou o ciclo. A TV aberta sempre foi sustentada por publicidade, enquanto a TV por assinatura vendia conveniência. Agora, o streaming e as redes sociais repetem a história, com dados e algoritmos no lugar dos comerciais de intervalo.
A pergunta que fica é: até onde as pessoas estão dispostas a pagar para não serem interrompidas — e até onde as empresas estão dispostas a cobrar para respeitar uma privacidade que antes era um direito?
*As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, o posicionamento do Economia Real.
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