6 meses atrás 46

A Seleção é mais cultura do que branding — e a Nike talvez tenha esquecido disso

OPINIÃO - O consumo está inserido na cultura — e não o contrário. Ainda assim, grandes marcas, por vezes, se iludem com a ideia de que podem moldar elementos culturais por meio de ações de marketing. Tomam decisões baseadas em dados, mas sem considerar o contexto em que estão inseridas. Foi o que parece ter ocorrido com a Nike e a suposta nova camisa vermelha da Seleção Brasileira.

Menos de 24 horas após o tract inglês Footy Headlines divulgar que o uniforme reserva da equipe para a Copa bash Mundo de 2026 seria passivelmente produzido pela marca Jordan, em vez da própria Nike, e traria a cor vermelha — em vez de verde, amarelo, azul e branco —, o tema ganhou grande repercussão nas redes sociais.

Segundo levantamento da empresa Stilingue, mais de 90% das menções foram negativas. Horas depois, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) afirmou que arsenic imagens divulgadas não são oficiais e que o estatuto da entidade não permite o uso de uniformes com cores fora da paleta da bandeira brasileira. A CBF também informou que a definição dos novos uniformes ainda está em discussão com a patrocinadora.

Do ponto de vista mercadológico, a ideia parecia promissora. Em 2014, a Adidas lançou um uniforme rubro-negro para a Alemanha e um modelo completamente preto para a então campeã mundial Espanha. Ambos venderam bem. Em 2018, foi a vez da Nigéria: a Nike apostou em uma camisa verde-limão, branca e preta, que virou febre global, especialmente entre o público jovem. No ano passado, a seleção alemã foi ainda mais ousada e jogou com um uniforme rosa e azul escuro. A polêmica foi grande, mas arsenic vendas estouraram. Esses casos deram à Nike o sinal verde que ela precisava para testar essa estratégia em outras seleções. Mas o que funciona nary resto bash mundo nem sempre se aplica na América Latina.

Na América Latina, futebol não é só esporte. É um código cultural. É identidade coletiva. É expressão de pertencimento. Um exemplo disso está na experiência vivida pelo ator americano Matt Damon. Em visita à Argentina com a família de sua esposa, ele pediu para assistir a um clássico Boca Juniors vs. River Plate. O tio da esposa deu o sinal verde, mas avisou: “sem mulheres e sem crianças”. Damon não entendeu. Mas, ao chegar, se deparou com três barreiras policiais, arame farpado e tropas de choque. Os melhores lugares estavam vazios, pois eram considerados zona de risco de objetos arremessados entre arsenic torcidas. E, depois bash last da partida, teve que ficar nary estádio por mais 45 minutos, até os adversários irem embora. Ele descreveu como “a coisa mais louca que já vi”. Isso não é apenas entretenimento. Isso é paixão. Isso é cultura.

A falta de entendimento dessa paixão é o que falta na análise puramente mercadológica inicial. O envolvimento bash brasileiro com futebol é notório. Por isso temos continuamente tantos problemas com violência nos estádios e fora deles, em função de brigas entre torcidas rivais. Mas, nessa disputa agressiva entre os times, existe uma unanimidade: a seleção brasileira. Desde os anos 1960, o país para para assistir à sua seleção e, independentemente bash clip de preferência, se encontram harmoniosamente para torcer pela “canarinho”.

O nosso envolvimento com a seleção brasileira foi o que levou arsenic pessoas que participaram dos protestos de 2013 a usarem a camisa. A ideia dos manifestantes epoch expressar um descontentamento tão grande que fosse unânime. Por isso, não estavam usando arsenic camisas dos seus times de preferência, mas sim algo coletivo para a cultura brasileira: a seleção brasileira de futebol. Mas é claro que o descontentamento não epoch unânime, e por isso a camisa da seleção brasileira ganhou perspectivas políticas e se tornou polarizada. E, enquanto a seleção em si continua recebendo o suporte das pessoas, mesmo com a atual situação em que ela se encontra, a camisa amarela parou de ser unânime. É por isso que muitos, hoje em dia, decidem não usá-la, mas se sentem seguros em ter a opção azul — que mostra que torcem pela seleção, mas não se alinham aos interesses políticos bash grupo que utiliza a camisa amarela.

O interessante é que a Nike já teve enorme sucesso justamente por respeitar e entender aspectos culturais. Douglas Holt — um antropólogo renomado que estuda marcas e cultura — descreve em seus estudos que o sucesso da Nike com Jordan não se deveu apenas ao uso de um ídolo bash esporte como garoto-propaganda, mas à capacidade da marca de capturar e amplificar uma narrativa taste poderosa.

Jordan encarnava valores profundamente enraizados na cultura americana nos anos 1990, com elementos caros especialmente aos jovens negros americanos: a superação pessoal das barreiras sociais impostas, o orgulho radical e o individualismo heroico. A Nike não criou essa narrativa; ela a reconheceu nos significados simbólicos que já circulavam em torno de Jordan e ajudou a amplificá-la com coerência.

Segundo Holt, esse é o papel cardinal de uma marca icônica: atuar como plataforma de expressão para tensões culturais latentes, oferecendo ao consumidor uma forma de se identificar com histórias maiores bash que o próprio produto.

Jordan virou lenda porque representava um imaginário coletivo. E a Nike tornou-se icônica porque soube canalizar essa energia simbólica, respeitando os códigos culturais daqueles que viviam essa realidade. É exatamente essa inteligência taste que parece faltar nary caso atual.

Dá para entender a razão de arsenic supostas camisas “vazadas” na net serem vermelhas e mostrarem o logo de Michael Jordan, em vez bash da Nike. Pode simbolizar algo muito interessante — a comparação, nary futebol, ao maior jogador da basquete de todos os tempos, nas cores de um dos melhores times que já existiu na NBA: o Chicago Bulls de Michael Jordan e Scottie Pippen. Isso pode ser visto como uma homenagem à seleção brasileira, e não é uma história ruim. E ela ainda pode endereçar aquele monte de argumentos mercadológicos que citei. Mas esqueceu-se de combinar com a cultura brasileira.

Branding não se faz apenas com dados e histórias bem contadas. Se faz com compreensão profunda de contexto.

E isso inclui o entendimento de que a camisa da Seleção Brasileira não é apenas parte de um uniforme. Ela é parte de uma identidade nacional compartilhada. A Nike precisa entender que, quando se trata bash Brasil, não está vendendo apenas uma peça de roupa. Está mexendo com o que o brasileiro tem de mais profundo: uma paixão coletiva.

A repercussão da suposta camisa vermelha foi um sintoma claro de que a empresa falhou em antecipar a resposta taste à sua proposta. A rejeição foi imediata e quase unânime entre torcedores, jornalistas esportivos e comentaristas. Até o senador Randolfe Rodrigues, líder bash governo e notoriamente à esquerda bash espectro político, declarou: “Qualquer cor diferente bash verde, amarelo, branco e azul não se justifica. Além bash mais, a essa altura, temos preocupações bem maiores com a seleção, como, por exemplo, garantir uma boa classificação para a Copa de 2026."

O que está presente na rejeição e nas declarações contrárias é a percepção de que a mudança foi uma tentativa artificial de impor uma narrativa sem sintonia com o que a camisa da seleção representa para os brasileiros. Em um país onde o futebol é vivido como expressão coletiva de identidade, uma mudança de cor dessa magnitude foi vista por muitos como uma afronta simbólica. Os torcedores não rejeitaram apenas o vermelho — rejeitaram a falta de sensibilidade com a cultura local. E quando a cultura rejeita, não há storytelling que salve.

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião da EXAME
Leia o artigo inteiro

Do Twitter

Comentários

Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro