Ilustração mostra pessoa sentada no vaso sanitário com as calças abaixadas

Crédito, Emmanuel Lafont/ BBC

  • Author, Jasmin Fox-Skelly
  • Role, BBC Future
  • Há 18 minutos

Você é do tipo de pessoa que faz três vezes por dia ou só ocupa o vaso sanitário em ocasiões raras e especiais?

O que a sua frequência de evacuação pode revelar sobre a sua saúde? Bem, sente-se, relaxe e aprenda sobre a ciência do cocô.

O número de vezes em que fazemos o número 2 pode variar de pessoa para pessoa.

Sempre que nos alimentamos, o intestino grosso se contrai e impulsiona os alimentos ao longo do trato digestivo. Este "reflexo gastrocólico" automático resulta na liberação de hormônios que criam a vontade de evacuar.

A maioria de nós já aprendeu a suprimir esse impulso, fazendo com que uma vez por dia ou menos passasse a ser o novo normal.

"Todos nós costumamos estar muito ocupados para fazer cocô", afirma o gastroenterologista e clínico geral Martin Veysey, do Hospital de Camberra, na Austrália.

Convencionou-se afirmar que evacuar uma vez por dia é um sinal de boa saúde intestinal. Mas, no passado, não sabíamos o que constitui esse "normal", em relação aos movimentos intestinais.

Um estudo chegou a indicar que uma ação intestinal a cada poucas semanas ou meses até 24 vezes por dia poderia ser considerada normal.

Mas, graças ao trabalho pioneiro de cientistas como o consultor médico Ken Heaton, da Enfermaria Real de Bristol, no Reino Unido, hoje conhecemos melhor este tema.

No final dos anos 1980, Keaton e seus colegas pesquisaram moradores do leste de Bristol, fazendo a eles a impertinente pergunta: com que frequência você faz cocô?

Os resultados revelaram uma enorme variação dos movimentos intestinais.

O hábito mais comum encontrado foi de uma vez por dia, mas apenas 40% dos homens e 33% das mulheres seguiam esta prática. Alguns iam ao banheiro menos de uma vez por semana, outros três vezes por dia.

De forma geral, o estudo concluiu que "menos da metade da população possui função intestinal convencionalmente normal e, neste aspecto da fisiologia humana, as mulheres mais jovens encontram-se especialmente em desvantagem".

Casualmente, esta não foi a única contribuição de Heaton para a ciência fecal.

Ele viria a idealizar posteriormente a Escala de Bristol de Forma das Fezes. Com suas ilustrações anexas, a escala passou a ser um guia prático de uso geral, para ajudar os médicos a diagnosticar problemas digestivos.

A escala apresenta descrições práticas de fezes, desde "caroços duros separados, como nozes" até "pedaços macios com extremidades irregulares".

A 'zona Cachinhos Dourados'

O NHS britânico e outros serviços de saúde indicam que é considerado normal ter movimentos intestinais entre três vezes por dia e três vezes por semana. Mas "normal" e "saudável" não são necessariamente a mesma coisa.

Os cientistas podem ter resolvido o mistério de qual é a nossa frequência habitual, mas não responderam à questão de quantas vezes deveríamos ir ao banheiro.

Pesquisadores estão cada descobrindo cada vez mais que os movimentos intestinais de uma pessoa são um forte indicador da sua saúde.

Um exemplo é um estudo de 2023, que examinou os hábitos intestinais de 14.573 adultos dos Estados Unidos.

O hábito mais frequente foi de sete vezes por semana (50,7% das pessoas) e o tipo de cocô mais comum foi em "formato de salsicha ou cobra, mole e macio".

Os pesquisadores acompanharam os participantes por mais de cinco anos, para saber se havia alguma relação entre a frequência da evacuação e a mortalidade.

Eles concluíram que as pessoas que produziam fezes moles quatro vezes por semana apresentaram probabilidade 1,78 vezes maior de morrer em até cinco anos do que aquelas que produziam fezes normais sete vezes por semana.

Os participantes do estudo que não evacuavam com frequência também apresentaram probabilidade 2,42 e 2,27 vezes maior de morrer de câncer e de doenças cardiovasculares, respectivamente.

Ilustração mostra intestino dentro de relógio

Crédito, Emmanuel Lafont/ BBC

Legenda da foto, O tempo de trânsito intestinal mais curto – que leva a evacuar com mais frequência – é um indicador de microbioma saudável, segundo as pesquisas.

Determinar o que é uma boa quantidade de fezes é uma das preocupações do microbiólogo Sean Gibbons, do Instituto de Biologia de Sistemas, em Seattle, nos Estados Unidos.

Em 2024, Gibbons liderou um estudo que classificou 1,4 mil adultos saudáveis em quatro grupos, com base nos seus hábitos no toalete: prisão de ventre (um a dois movimentos intestinais por semana), baixo-normal (três a seis vezes por semana); alto-normal (um a três movimentos intestinais por dia); e diarreia.

Os pesquisadores procuraram encontrar alguma associação entre a frequência de evacuação e o microbioma intestinal de cada pessoa.

Gibbons concluiu que as pessoas que evacuam mais (uma a três vezes por dia) apresentam proporção mais alta de bactérias "boas" nos seus intestinos do que as que visitam o banheiro com menos frequência.

Por outro lado, ele também concluiu que as pessoas que evacuam menos de três vezes por semana têm mais probabilidade de ter toxinas no sangue que foram relacionadas a condições como doença renal crônica e mal de Alzheimer.

Gibbons afirma que, "na zona Cachinhos Vermelhos do cocô [como ele chama a categoria alta-normal], observamos um aumento dos micróbios estritamente anaeróbicos, produtores de substâncias chamadas ácidos graxos de cadeia curta".

Um desses ácidos graxos de cadeia curta (SFAs, na sigla em inglês) é o butirato, conhecido por reduzir as inflamações do corpo. Esta é uma questão importante, pois os cientistas acreditam atualmente que a inflamação crônica seja o principal fator em condições como doenças cardiovasculares, diabetes do tipo 2 e até Alzheimer.

"Níveis mais altos de butirato também permitem controlar melhor os níveis de glicose no sangue, melhorando a sensibilidade à insulina", explica Gibbons. "O butirato também se liga às células do intestino e as estimula a produzir hormônios que fazem você se sentir satisfeito."

Gibbons acredita que uma razão que leva as pessoas com prisão de ventre a apresentar níveis mais altos de toxinas prejudiciais na sua corrente sanguínea é o fato de que, quando uma pessoa tem movimentos intestinais com pouca frequência, as fezes permanecem no intestino por mais tempo.

Isso faz com que as bactérias intestinais comam todas as fibras disponíveis e as transformem em SFAs promotores da saúde. O problema é que, quando a fibra acaba, as bactérias começam a fermentar proteínas, o que libera toxinas prejudiciais para a corrente sanguínea.

Sabe-se que essas toxinas causam lesões aos órgãos, como os rins e o coração. E uma delas –conhecida como fenilacetilglutamina – é um fator de risco para doença cardiovascular.

"Se você tiver altos níveis crônicos deste metabólito no sangue, ele pode promover arteriosclerose, uma espécie de endurecimento das artérias que prejudica o sistema cardiovascular", explica Gibbons.

Ele afirma que, embora as orientações clínicas indiquem que evacuar entre três vezes ao dia e três vezes por semana é um hábito intestinal saudável, seu estudo demonstrou que, mesmo no grupo baixo-normal, houve aumento das toxinas na corrente sanguínea.

"É difícil afirmar com certeza, pois não temos dados causais para saber se essas pessoas ficaram doentes posteriormente, mas parece que, com base nas nossas observações, fazer cocô em dias alternados até duas vezes por dia, provavelmente, é uma janela melhor para uma vida saudável", explica Gibbons.

Ilustração mostra mulher com olhos de raio laser olhando dentro de vaso sanitário

Crédito, Emmanuel Lafont/ BBC

Legenda da foto, Os especialistas recomendam examinar e acompanhar as nossas fezes, para podermos detectar qualquer alteração que possa exigir atenção médica

Mas, como sempre acontece, correlação não é sinônimo de causa.

É possível que pessoas que já sejam menos saudáveis por outros motivos tenham movimentos intestinais menos frequentes. Por isso, o estudo de Gibbons tentou controlar este fator, selecionando apenas adultos que não relatassem problemas de saúde.

Uma medida da saúde do intestino é o tempo que os alimentos levam para atravessar o sistema digestivo, conhecido como tempo de trânsito intestinal. Você pode fazer o teste facilmente em casa, ingerindo alimentos com cores brilhantes, como milho verde, e registrando o tempo decorrido para que eles cheguem ao outro lado.

De forma geral, quanto maior for o tempo de trânsito intestinal de uma pessoa, menos vezes ela irá ao banheiro e maior será a probabilidade de que ela sofra de prisão de ventre.

Em 2020, pesquisadores do King's College de Londres ofereceram muffins azuis a 863 pessoas, para medir seu tempo de trânsito intestinal.

Esta pesquisa fez parte do estudo Predict1, um projeto de pesquisa clínica para entender como variações genéticas individuais, o microbioma intestinal e outros fatores influenciam como diferentes alimentos alteram os níveis de açúcar e gordura do sangue.

O estudo revelou que o tempo de trânsito intestinal apresenta enorme variação entre uma pessoa e outra. Ele varia de menos de 12 horas até vários dias.

É interessante observar que os micróbios encontrados no intestino de pessoas com tempo de trânsito curto – que tendem a evacuar com mais frequência – são sensivelmente diferentes das pessoas com tempo de trânsito mais longo. O tempo curto é associado ao microbioma intestinal mais saudável.

"Concluímos que as pessoas com tempo de trânsito mais longo tendem a apresentar mais bactérias intestinais 'ruins', ou seja, bactérias que já foram relacionadas à redução da saúde cardíaca e metabólica", segundo a cientista Emily Leeming, do King's College de Londres, que estuda o microbioma.

Esta descoberta foi mais pronunciada entre pessoas com tempo de trânsito intestinal de 58 horas ou mais, que costumavam evacuar menos de três vezes por semana.

Como Gibbons, Leeming suspeita que, quando as fezes passam mais tempo no intestino, os micróbios não recebem alimento fresco. Por isso, eles acabam deixando de comer fibras e carboidratos e passam a se alimentar de proteínas, gerando subprodutos que fazem mal à saúde.

Além do microbioma intestinal mais saudável, o estudo de Leeming revelou outro benefício encontrado entre as pessoas com tempo de trânsito intestinal mais curto, que foi a menor quantidade de gordura visceral – um tipo de gordura profunda na barriga, em volta dos órgãos abdominais.

A gordura visceral é perigosa porque pode aumentar o risco de muitas condições de saúde, como doenças cardíacas, diabetes e alguns tipos de câncer.

Por fim, as pessoas com tempo de trânsito intestinal curto também demonstraram reação mais saudável aos alimentos, conhecida como "resposta pós-prandial". Isso significa que seu nível de açúcar e lipídios no sangue é menor após as refeições, o que reduz o risco de doenças cardiovasculares.

Esta descoberta coincide com o conhecimento dos cientistas sobre a prisão de ventre e sua relação com as doenças crônicas. Uma pessoa com prisão de ventre crônica pode apresentar risco mais alto de doenças como câncer do intestino.

Mas as evidências que confirmam esta afirmação são contraditórias. Uma meta-análise, que combina os resultados de diversos estudos sobre a mesma questão, concluiu que o câncer de intestino não é mais frequente entre indivíduos com prisão de ventre.

Ilustração mostrando frutas e pessoa levantando troféu em cima de pilha de papéis higiênicos

Crédito, Emmanuel Lafont/ BBC

Legenda da foto, Comer mais frutas, legumes e verduras pode ajudar as pessoas a evacuar com mais frequência

"Mas estamos também observando relações com outras partes do corpo", explica Leeming. "Pessoas com mal de Parkinson, por exemplo, podem ter prisão de ventre até 20 anos antes de exibirem qualquer sintoma motor."

Já Veysey destaca a conhecida relação entre o trânsito intestinal lento e os cálculos na vesícula – depósitos de bílis duros que se formam na vesícula biliar.

"Ele também aumenta o risco de desenvolvimento de pólipos, lesões pré-cancerosas no intestino que podem se transformar em câncer", explica ele.

O que o seu cocô diz sobre você

Mais do que o número de movimentos intestinais por semana, que pode variar de pessoa para pessoa, Emily Leeming afirma que o mais importante é procurar qualquer mudança sem explicação dos seus hábitos intestinais.

Ela também destaca que é uma boa ideia acompanhar seus hábitos regulares de evacuação, para saber o que é normal para você.

"Todos nós deveríamos examinar nosso cocô, pois é basicamente um teste grátis da saúde do intestino", explica Leeming.

"Não é só questão de frequência – também envolve a cor e o formato. O que você realmente procura é o tipo 3 ao tipo 4 [na Escala de Bristol de Forma das Fezes], que é basicamente uma salsicha com rachaduras ou uma salsicha macia."

Em relação à cor, qualquer coloração preta ou vermelha nas fezes indica a presença de sangue. Pode haver uma explicação inofensiva para ela, mas também pode ser sinal de câncer colorretal. Por isso, é importante consultar um médico o mais breve possível.

Você também deve procurar seu médico se tiver diarreia com frequência, se precisar ir ao banheiro com muita urgência ou se sofrer muitas cólicas, inchaço e gases depois de comer.

Por fim, se você quiser passar a ser mais "regular", você pode adotar três medidas simples, segundo Sean Gibbons.

"No nosso estudo, as pessoas da zona Cachinhos Dourados comem mais frutas, legumes e verduras, são mais hidratadas e praticam mais atividade física."