Por outro, parece ser a primeira vez que conseguiram domar a instabilidade das propriedades quânticas e diminuir os esforços para criar com elas chips de computador capazes de resolver problemas que uma máquina tradicional levaria bilhões de anos para solucionar.
A gente pode fazer uma analogia com a história da computação. Lá em 1940, as primeiras máquinas eram feitas de relays eletromecânicos, cheios de erros. Veio a válvula a vácuo, grande, lenta e muito ruidosa. Depois, vieram os materiais semicondutores, e a gente construiu com eles os transistores. Essas são as unidades básicas de armazenamento e processamento de informação de dispositivos como os computadores mais rápidos e menores. Se for confirmado, esse novo chip da Microsoft seria aí uma espécie de transistor da computação quântica
Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
O que rolou?

Quem usa Word, Excel, Linkedin, Teams ou joga Xbox, todos produtos da Microsoft, pode não saber, mas a empresa é uma das que investe pesado para fazer da computação quântica algo funcional. Concorrendo com Google, IBM e outras, ela pode ter marcado nesta semana um dos golaços do século na área, porque:
- A Microsoft anunciou duas coisas: identificou a existência de uma nova partícula, os férmions de Majorana, e ter desenvolvido qubits topológicos. Ficou difícil? Vamos por partes...
- ... Os tais férmions de Majorana foram descritos pelo físico italiano Ettore Majorana, em 1937. Eles são ao mesmo tempo a partícula e sua antipartícula. No mundo da física, as duas coisas geralmente andam separadas. Para as partículas de elétrons, de carga negativa, os pósitrons, de carga positiva, são antipartículas. E vice versa. Quando se encontram, são anulados e emitem energia. Já os férmions de Majorana são neutros por excelência. Mas tudo isso era teoria, já que...
- ... Nem mesmo aceleradores de partículas tinham conseguido descrever ou identificar a existência deles. E esse negócio de ser partícula e antipartícula ao mesmo tempo tem um nome chique na física: quasipartícula. E é essa dubiedade que caracterizaria o tal novo estado da matéria. Como...
- ... Trata-se de uma característica subatômica, sua percepção visível pode frustrar quem está esperando diferenças para lá de distinguíveis como as observadas em líquidos, gases e sólidos. Mas...
- ... Essa quasipartícula é importante porque ela gera um estado de calmaria necessário para produzir os qubits topológicos, que são cruciais para a abordagem de computação quântica da Microsoft --há outras, tão promissoras quanto, mas que ainda não são escaláveis. Primeiro...
- ... É preciso entender que, na física, um objetivo topológico é algo protegido contra perturbações locais. No mundo da computação, é a primeira vez que conseguem algo assim. Importante, porque...
- ... As características quânticas são absolutamente instáveis, ou sejam, somem ao menor sinal de ruído, seja um fachozinho de luz, vibraçãozinha ou som. Como...
- ... O poder dos bits quânticos, os tais qubits, é representar ao mesmo tempo 0 e 1, um salto sobre o bit tradicional que representa um estágio de cada vez. Isso dá a eles capacidade de calcular inúmeras possibilidades simultaneamente, enquanto o bit faz uma coisa de cada vez. As informações produzidas pelos qubits vão para o ralo com essa irritabilidade, agora driblada pela criação dos qubits topológicos com as partículas Majorana.
Eles nunca conseguiram fazer um fenômeno físico se comportar como um qubit topológico. E a grande descoberta é que agora conseguiram
Otto Menegasso Pires, pesquisador líder em computac?a?o qua?ntica do Centro de Compete?ncia Embrapii Cimatec em Tecnologias Quânticas (QuINN)
Por que é importante?
O mundo da física trata os férmions de Majorana como partículas fictícias, algo descrito apenas em teoria, mas não observado na prática. São quase 90 anos sem que houvesse alguma comprovação. Já a Microsoft trabalha há uns bons 20 anos para construir equipamentos e materiais para gerar estabilidade suficiente ao funcionamento escalável de um computador quântico.
Acontece que os qubits são tão inquietos que precisam ser resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto (-273ºC). Isso exige uma câmara de criogenia gigante e bastante energia. Não à toa, um computador quântico se parece pouco com desktops e laptops e lembram mais candelabros dentro de freezers rechonchudos.
O Majorana 1, o chip apresentado pela Microsoft esta semana, ainda precisa desse aparato. Mas o avanço potencial é essas características especiais permitirem que ele contenha mais qubits. Até agora, as iniciativas de outras empresas não passaram de 2 mil qubits. E, quanto mais qubits, mais poder computacional. É isso que permitiria calcular algo que os computadores convencionais só chegam perto, conta Chaves, cientista apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
Você pode usar isso para simular novos materiais, novos fármacos, novas drogas, minimizar o tempo de rota para entregas, quebrar a criptografia mais utilizada ainda hoje na internet
Rafael Chaves
O que quer que você esteja fazendo no espaço quântico precisa ter um caminho até um milhão de qubits. Se não tiver, você vai bater na parede antes de atingir a escala em que pode resolver os problemas realmente importantes que nos motivam
Chetan Nayak, Pesquisador associado da Microsoft
Não é bem assim, mas tá quase lá
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A Microsoft estima que o Majorana 1 pode ter até 1 milhão de qubits. É ainda um número ridículo perto da computação tradicional. Mal comparando porque são seres incomparáveis, o Blackwell B200 GPU, da Nvidia, "o chip mais poderoso do mundo", tem 1.440 GB de memória de GPU. Ninguém faz essa conta, mas é o equivalente a 11,5 trilhões de bits.
Fora isso, o artigo em que a Microsoft descreve suas descobertas acabou de ser publicado na Nature, uma das revistas científicas de maior prestígio no mundo. Outros acadêmicos ainda farão experimentos, revisarão dados. Só então o fenômeno poderá ser realmente comprovado. A ciência funciona assim.
É bom lembrar que a empresa já teve de se retratar um artigo publicado em 2018 em conjunto com várias universidades em que atestava ter observado as partículas Majorana. Admitiu inconsistências nos dados.
Agora, conta a seu favor não só ter demonstrado a existência das partículas, mas ter feito isso em uma aplicação prática. Se der certo, a computação quântica avançou alguns anos nesta semana.
Se a descoberta se confirmar, certamente é algo espetacular, não só do ponto de vista da computação quântica, mas também do ponto de vista aí de ciência básica
Rafael Chaves
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
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