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- Author, Mariana Sanches
- Role, Da BBC News Brasil em Washington
Há 24 minutos
Em um lance comandado por seu principal doador e conselheiro político, o bilionário Elon Musk, Trump desmantelou a USAID, a agência de ajuda internacional dos EUA cujo orçamento chegava a US$ 40 bilhões e que era usada desde os anos 1960 como uma forma de projetar valores e influência americanos em mais de cem países pelo mundo.
"Quantos países cobram impostos de seus cidadãos e depois enviam o dinheiro aos EUA?", questionou Musk em um post na sua rede social X, antigo Twitter, ao justificar a extinção da agência.
"Até agora não vimos nenhum sinal de cenouras, apenas porrete. A ênfase pessoal de Trump nas relações internacionais é o porrete", afirmou à BBC News Brasil Will Freeman, pesquisador do Council on Foreign Relations, mencionando um binômio que historicamente define a diplomacia e as relações internacionais.
De um lado, o uso do porrete, ou a força militar ou das sanções econômicas para coagir outras nações a cederem em uma mesa de negociação. De outro, a cenoura, ou a recompensa, o incentivo positivo — como investimentos, auxílios humanitários, acordos bilaterais ou assentos em organismos multilaterais — , para convencer aliados a cooperar e tomar uma determinada direção. Na ciência política internacional, convencionou-se chamar a dupla de "hard power" e "soft power".
Nenhum desses conceitos é uma novidade na política externa americana. Mas, segundo Freeman, a maneira como Trump maneja o porrete, especialmente tendo como alvo aliados, é sem precedentes na história do país. "Claro que os EUA já pressionaram aliados de muitas maneiras antes. Vimos isso nos anos 1990, na América Latina. Mas sempre de maneira muito mais silenciosa do que Trump, cujas ameaças são muito pesadas e muito explícitas", diz Freeman.
Em um artigo publicado pelo diário The Washington Post, o colunista de segurança nacional Max Boot creditou ao soft power o fato de que os EUA detêm hoje bases militares em ao menos 80 países. Embora os EUA tenham levado décadas para acumular seu soft power, o presidente Donald Trump parece determinado a destruí-lo numa questão de semanas", escreveu Boot, enfileirando as recentes contendas de Trump com países aliados.
"Trump não entende o soft power — a habilidade de conseguir o que quer por meio de atração em vez de coerção ou pagamento", afirmou o cientista político Joseph Nye, um dos maiores disseminadores do conceito, ao jornal americano The New York Times, na semana passada.
"No curto prazo, o hard power geralmente supera o soft power, mas os efeitos a longo prazo podem ser o oposto", seguiu Nye, que concluiu: "mesmo a curto prazo, ainda que o hard power se faça necessário, se pudermos contar com o soft power também, podemos economizar nos custos totais de porretes e cenouras. Trump está desperdiçando este recurso. Pode funcionar no curto prazo, mas terá custos para os EUA no longo prazo."
Funciona?
Ao menos até agora, o saldo de Trump em suas duras negociações parece ser positivo, avaliam os analistas.
Seu primeiro grande embate aconteceu com a Colômbia, quando o presidente daquele país, Gustavo Petro, impediu o pouso de duas aeronaves militares americanas com deportados colombianos. Trump aproveitou o momento para expor seu arsenal de porretes: impôs tarifas de 25% aos produtos colombianos (prometendo dobrar a taxa em uma semana), cancelou vistos de autoridades colombianas e correligionários de Petro, adotou as mais duras inspeções sanitárias, além de sanções bancárias, entre outras medidas.
E embora Petro tenha tentado usar a ocasião para reafirmar a identidade latino-americana em uma carta dirigida pessoalmente a Trump nas redes sociais, nas quais dizia "não gostar de viajar aos EUA" e prometia reciprocidade nas taxas, o presidente colombiano recuou cerca de 12 horas mais tarde, diante do custo econômico que a punição geraria à Colômbia. Em troca da suspensão das tarifas, Petro aceitou o uso de aviões militares para deportação — embora também tenha enviado aeronaves da força aérea colombiana para buscar ao menos parte dos repatriados.
Crédito, Governo dos EUA
Em relação ao Panamá, cujo canal Trump anunciou textualmente que "vamos tomar de volta" durante seu discurso de posse, os americanos podem ter conseguido concessões significativas: na quarta-feira (05/02), o Departamento de Estado dos EUA anunciou um acordo com os panamenhos no qual as embarcações americanas não mais pagarão taxas pelo uso do entreposto. Apesar disso, a administração do Canal do Panamá negou ter implementado qualquer mudança em suas tarifas.
A notícia vem poucos dias depois da visita do secretário de Estado de Trump, Marco Rubio, ao país. Na ocasião, Rubio repetiu ao presidente José Raúl Mulino as percepções de Trump de que os chineses estariam efetivamente controlando o canal, o que seria visto como ameaça aos EUA. E se antes da visita, Mulino chamou de "nonsense" as palavras de Trump, diante de Rubio ele anunciou uma auditoria das atividades de ao menos dois portos sob direção de Pequim.
Na mesma viagem, sua primeira internacional, Rubio afirmou ter obtido do líder de El Salvador Nayib Bukele a oferta para que os EUA enviem ao país deportados de outras nações e até mesmo criminosos americanos.
Em que pesem as dúvidas sobre a legalidade de um acordo desses, a possibilidade foi celebrada por Trump. "São pessoas doentes. Se pudéssemos retirá-los do país, tiraríamos. Não é diferente de um sistema prisional, exceto que seria muito menos caro. E seria um grande fator de dissuasão (para crimes) — enviá-los para outros países. Teremos que descobrir isso legalmente. Só estou dizendo que se tivéssemos o direito legal de fazer isso, eu o faria em um piscar de olhos", disse.
Já México e Canadá, que possuem um acordo de livre comércio com os EUA, foram alvos de tarifas de 25%, assinadas por Trump em 01/02.
Trump as justificou dizendo que os vizinhos, com quem os americanos fazem fronteira, fizeram muito pouco para conter o fluxo de imigrantes irregulares e de fentanil de seus países para o território dos EUA. As taxas incidiriam sobre produtos mexicanos e canadenses 48 horas após a assinatura de Trump, período em que as negociações entre ele e os líderes do Canadá, Justin Trudeau, e do México, Claudia Sheinbaum, se desenrolaram.
Sheinbaum prometeu a Trump o envio de dez mil homens da Guarda Nacional à fronteira entre os dois países para coibir o tráfico de drogas e pessoas. Trata-se de um contingente menor que os 15 mil policiais e soldados mexicanos remetidos à fronteira em 2019, durante um pico imigratório na área.
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Já Trudeau entregou a Trump um plano de manejo de fronteira que prevê investimento de mais de 1,3 bilhão de dólares canadenses. Entre as ações estão o combate ao fentanil, que se tornou um grave problema de saúde pública nos dois países. O plano, porém, não é novo. Já havia sido anunciado e iniciado em dezembro passado, antes da posse de Trump.
Nenhum dos poréns das aparentes concessões dos vizinhos pareceu incomodar Trump, que anunciou a vitória de seus interesses e a suspensão das tarifas por 30 dias, quando ele provavelmente forçará Canadá e México a sentarem-se à mesa mais uma vez.
"Começando a ver um padrão: Trump faz algumas ameaças estúpidas, e os outros oferecem concessões triviais; Trump declara vitória (falsa) e os problemas permanecem sem solução. Próxima fase: alguns começam a fazer arranjos alternativos ou a enrolar, sabendo que o tempo de atenção de Trump é curto. Outros percebem o blefe e o desafiam", afirmou Stephen Walt, professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, em um post na rede Bluesky.
Aos inimigos tudo?
Enquanto trata aliados históricos com ameaças — ou aplicação — de medidas duras, o comportamento de Trump com líderes antagônicos aos americanos tem chamado a atenção. Na semana passada, ele mandou um de seus negociadores, o conselheiro Ric Grenell, à Venezuela, para se encontrar com o líder venezuelano Nicolás Maduro, recentemente empossado para novo mandato após se autoproclamar vencedor de uma eleição cujo resultado nem Brasil nem EUA reconhecem.
Grenell se deixou fotografar em um amistoso aperto de mãos com Maduro e retornou aos EUA com 6 cidadãos americanos que estavam presos na Venezuela e o compromisso de Caracas de que o país receberá os deportados enviados dos EUA. Ao menos 400 mil venezuelanos tiveram sua permissão de permanência em solo americano revogada pela gestão Trump. Não houve, porém, o anúncio de qualquer medida dura contra o regime Maduro, como as tarifas impostas a Canadá, Colômbia e México.
Algo semelhante tem acontecido com o russo Vladimir Putin, que iniciou uma guerra contra a vizinha Ucrânia e é acusado de interferências políticas nos EUA. Trump tem dito que ele e o líder russo terão anúncios a fazer em breve.
E se é verdade que Trump impôs tarifa de 10% sobre produtos chineses, e estas entraram em vigor, sua atitude em relação ao presidente do país, Xi Jinping, tem sido deferente. Trump chegou a convidá-lo para a posse em Washington e tem pessoalmente tentado maneiras de garantir a plena operação da rede chinesa Tiktok no país. Ele chegou a aventar a possibilidade de assinar um acordo comercial com a China.
Para Freeman, a atitude de Trump menos bélica em relação a não aliados se explica por dois motivos. "O primeiro é uma identificação, uma admiração pessoal que ele tem por autocratas", diz o analista, que segue: "No caso de Maduro, além de uma possível admiração, Trump tinha uma urgência em garantir a viabilidade de seu plano prioritário de governo, a deportação em massa".
Já o segundo motivo é o argumento constante de Trump de que aliados fazem pelos EUA menos do que os EUA entregam a eles. Exemplo disso é sua insistência para que os demais integrantes da Otan (Aliança do Tratado do Atlântico Norte) aumentem seus repasses à organização.
"Acho que isso vem do sentimento de Trump de que muitos dos nossos aliados e parceiros estão enganando os Estados Unidos, que estamos dando-lhes mais do que recebemos de volta. E obviamente, com inimigos ou adversários, a mesma tensão não acontece, porque não estamos dando-lhes qualquer coisa. Então não há o mesmo sentimento de frustração e injustiça que parece levar a um tratamento melhor a não aliados", diz Freeman.
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Em um evento do Woodrow Wilson Center sobre a nova política migratória de Trump, o ex-vice diretor de Segurança Doméstica do primeiro mandato de Trump, Chad Wolf, defendeu as medidas tomadas pelo presidente no segundo mandato em relação a aliados como "formas de levá-los a fazer coisas que muitas vezes eles não querem".
"Foi só quando congelamos repasses de auxílio internacional para alguns países, como a Guatemala, que os vimos realmente tomar medidas (anti-imigração)", afirmou Wolf, atualmente diretor do America First Policy Institute, a respeito da experiência com Trump entre 2017 e 2021.
Segundo ele, as medidas duras de Trump eram mais do que esperadas neste começo de mandato, e financiamentos ou auxílios financeiros devem aparecer como política subsequente, conforme coincidam com as prioridades dos EUA sob Trump. "É uma relação transacional", afirmou.
Custos de médio e longo prazo
Embora seja difícil prever os impactos da estratégia de Trump no curto prazo — e garantir que ele sustente esse mesmo estilo por todo seu mandato, alguns efeitos negativos já se fazem sentir.
Históricos aliados dos americanos, os canadenses têm demonstrado profunda insatisfação com o tratamento recebido. O hino dos Estados Unidos chegou a ser vaiado em grandes eventos esportivos nos últimos dias no país. E uma onda patriótica surgiu, com mais de 80% dos canadenses rechaçando a ideia de Trump de convertê-los no 51º Estado dos EUA.
O fim da USAID também foi celebrado por não aliados. "Decisão inteligente", comentou ironicamente o ex-presidente russo Dmitri A. Medvedev.
"China e Rússia também são poderosas militarmente, e a China é uma superpotência econômica, mas não chegam nem perto da influência global que os EUA exercem. Isto porque os Estados Unidos têm sido uma superpotência excepcionalmente benéfica", escreveu Max Boot ao Washington Post, antevendo o fim da vantagem competitiva americana com a extinção da USAID, que, entre outras coisas, bancava programas de combate ao HIV na África.
Mas para Will Freeman, apesar do desconforto de uma possível impopularidade global, o maior risco para os EUA está em perder a capacidade de atrair e sustentar redes de aliados, em um momento em que a China se impõe cada vez mais como uma antagonista disposta a disputar zonas de influência com os americanos.
"O comportamento de Trump vai ensinar aos nossos aliados e parceiros que não somos totalmente confiáveis. Ainda que um Democrata ganhe a presidência, mesmo daqui a muitos anos, os outros países vão estar sempre preocupados com a possibilidade do retorno de um megapopulista à Casa Branca. E isso pode fazer com que deixem de investir na relação com os EUA ou em parcerias de longo prazo", diz Freeman.
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