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Qual copo deixa a cerveja gelada por mais tempo? Pesquisa traz resposta

Clique e veja o vídeo: Qual o copo que deixa a cerveja gelada por mais tempo?

Pellegrini usou equações para descrever a transferência de calor entre o copo e o ambiente ao longo do tempo para definir qual seria a curvatura mais eficaz de modo a minimizar esse processo. A análise incluiu um aspecto dinâmico do sistema: a transferência de calor diminui à medida que a quantidade de cerveja no recipiente também se reduz (em razão de seu consumo). Copos com boca de corneta minimizam a troca térmica porque a cerveja fica por mais tempo em sua base, mais estreita e com menor área de contato com o ambiente.

“O estudo pode ser usado para guiar a fabricação de copos mais eficazes, pois aponta para um design que não é produzido atualmente”, diz o engenheiro mecânico. Dos modelos comerciais mais conhecidos, o copo tipo pilsen (alto, com boca aberta e base pequena) é provavelmente o que mais se aproxima do modelo ideal. Pellegrini disponibilizou em outubro no repositório arXiv um preprint (artigo não publicado e sem revisão por pares) em que fala do trabalho. O texto atualiza e desenvolve uma abordagem apresentada em artigo publicado em 2019 na Revista Brasileira de Ensino de Física.

No artigo anterior, por não haver fixado as dimensões dos recipientes modelados, Pellegrini chegou a soluções de pouca serventia prática: os copos ideais para conservar a cerveja fria por mais tempo tinham capacidade entre 2 litros (L) e 103 L. A abordagem no trabalho atual incluiu mais detalhes dos recipientes. O pesquisador utilizou dimensões fixas para tipos clássicos de copos, como o pint americano, com capacidade para 473 mililitros (mL), a tulipa brasileira (300 mL) e a caneca (473 mL). Também definiu parâmetros básicos de sua geometria: a altura e o tamanho de suas circunferências da base e da boca. Com essas adaptações, o novo estudo apresenta soluções próximas da realidade. O desenho modificado do copo do tipo tulipa brasileira que ilustra esta reportagem é uma delas.

Para modelar matematicamente o problema, Pellegrini adotou algumas suposições ideais para conceber os copos. Foram desconsideradas a espuma, que ajuda a manter a cerveja gelada, e a transferência de calor pelo toque das mãos no copo. O cálculo se concentrou no calor que atravessa o vidro na parte lateral do copo e no que entra por cima, devido ao contato entre o ar e a cerveja. O fundo do copo foi concebido como isolado do ambiente externo (na realidade é apenas um vidro mais grosso) e a temperatura do líquido considerada homogênea.

Pellegrini estava interessado apenas em copos de vidro e não em recipientes com isolamento térmico, que se tornaram populares nos últimos anos. O mais famoso deles, o chamado copo Stanley, utiliza um design eficaz já conhecido há muito tempo: o isolamento térmico causado pelo vácuo entre a parte interna em contato com o líquido e a parte externa em contato com o ambiente.

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O artigo é muito bem-humorado, repleto de tiradas espirituosas. Ao considerar o copo americano, tão comum nos botecos brasileiros, Pellegrini conclui que ele mantém a cerveja gelada pelo processo mais primitivo. “Devido à baixa capacidade [do copo], a cerveja é consumida tão rapidamente que não tem tempo de esquentar”, diz. A afirmação remete a uma nota de rodapé. “E não, você não conhece ninguém que beba tão devagar”, comenta.

Para o físico Peter Schulz, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o trabalho de Pellegrini é bem-vindo. “É uma agradabilíssima surpresa”, diz ele. “A ciência se leva a sério demais e o artigo indica que há uma vontade geral de diminuir um pouco a sisudez dos trabalhos científicos.” Na avaliação de Vanderlei Bagnato, físico licenciado da Universidade de São Paulo (USP) e hoje na Universidade Texas A&M, dos Estados Unidos, o estudo sinaliza como a criatividade pode ser usada não apenas na produção de ciência nova, que avança as fronteiras do conhecimento, mas também para resolver problemas do cotidiano com o emprego de um saber já estabelecido. “Apesar de não gerar ciência, o artigo mostra o valor do conhecimento para otimizar o dia a dia”, comenta Bagnato.

O pesquisador da UFSJ aponta ainda outro motivo que o levou a se debruçar sobre um tema aparentemente tão banal. “Os jovens não têm demonstrado interesse em áreas do conhecimento que não têm muita aplicação prática”, conta Pellegrini, professor há 33 anos. Por isso, ele fez um estudo didático. Propositalmente, evitou utilizar simulações computacionais e experimentos para indicar como a transferência de calor pode ser utilizada para obter respostas a perguntas simples com o emprego de uma abordagem estritamente analítica. Deu certo.

Artigos científicos
PELLEGRINI, C. C. A busca pelo copo ideal: um estudo de otimização em transferência de calor. Revista Brasileira de Ensino de Física. 21 jan. 2019
PELLEGRINI, C. C. Optimizing Beer Glass Shapes to Minimize Heat Transfer – New Results. arXiv. 15 out. 2024

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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