A denúncia do procurador-geral da República Paulo Gonet contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas —por tentativa de golpe de Estado e organização criminosa armada, entre outros delitos— alcança o período da gestão de Augusto Aras, cuja omissão estimulou os desmandos do bolsonarismo.
Aras não é citado na peça. Não é suspeito de estimular o golpe.
Os fatos listados na denúncia permitem situar episódios em que o ex-PGR ignorou pedidos para conter a escalada de violência que resultou no vandalismo de 8 de janeiro.
Aras foi tolerante com o discurso do ódio.
Gonet foi indicado para o cargo de PGR com apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre Moraes.
Aras foi cobrado por não apurar eventuais crimes de responsabilidade atribuídos a Bolsonaro no combate à pandemia. A PGR alegou que a responsabilidade seria do Congresso.
"É tempo de temperança e prudência, em prol da estabilidade institucional", afirmou Aras.
Em abril de 2020, cinco subprocuradores-gerais pediram a Aras que recomendasse a Bolsonaro evitar manifestações contra a política do Ministério da Saúde no combate ao coronavírus.
Aras arquivou o pedido. Poupou Bolsonaro e criticou os procuradores.
Gilmar Mendes afirmara que "a Constituição não permite que o presidente adote políticas genocidas".
Em setembro, Paulo Gonet, então diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União, convidou o deputado federal Eduardo Pazuello (PP) para uma palestra sobre sua gestão no Ministério da Saúde.
O general foi saudado por Gonet como "nosso caríssimo ministro".
Abusos de poder
Em janeiro de 2021, Gonet era procurador-geral eleitoral quando 36 subprocuradores gerais requereram a instauração de procedimento por abuso de poder de Bolsonaro.
O presidente questionara a votação eletrônica e insinuara que não haveria eleições em 2022.
O atual PGR recebeu a representação "como subsídio interno para eventual atuação futura". Alegou que os fatos já estavam sendo apreciados pela Justiça Eleitoral e pelo STF.
Somente em fevereiro de 2023, Gonet promoveu o arquivamento, com os mesmos argumentos.
Membros do MPF questionaram internamente o fato de Gonet não ter tomado antes a iniciativa solicitada pela metade dos 74 subprocuradores gerais da República.
Fatos ocorridos em 2021 confirmam que o temor dos subprocuradores era procedente.
Em março, o grupo que acompanhava o ex-capitão, que passara a afrontar a decisões do STF, criou plano de contingenciamento e eventual fuga de Bolsonaro.
Em julho, Bolsonaro transmitiu do Palácio do Planalto críticas ao sistema eletrônico de votação. No mês seguinte, deu entrevista insinuando a tomada de medidas de força contra o Judiciário. Voltou a desacreditar o sistema eleitoral.
Em agosto, o então ministro da Justiça Anderson Torres confirmou a participação em live que marcou o início da execução do plano de ruptura com o Estado Democrático de Direito.
No dia 7 de setembro de 2021, Bolsonaro afirmou que não iria mais se submeter às deliberações do STF. Em Brasília e em São Paulo, insuflou os apoiadores contra membros do TSE e do STF.
A tentativa de golpe bolsonarista gerou uma inversão institucional.
Como Aras, foi omisso, a Advocacia-Geral da União ocupou, na prática, o lugar do Ministério Público. Entre outras medidas, a AGU requisitou à Justiça Federal bloqueio de bens dos financiadores dos atos golpistas.
Quando assumiu a PGR, Gonet concentrou em seu gabinete os processos sobre os atos de vandalismo em 8 de janeiro. Contou com o apoio dos procuradores Paula Bajer e Joaquim Cabral da Costa Neto.
O maior estrago causado pela inoperância de Aras foi a operação ilegal da Polícia Rodoviária Federal para dificultar o voto de eleitores de Lula no Nordeste.
O procurador da República Celso Tres, que foi aliado de Aras, definiu o episódio como "um ato concreto, real de uso do braço armado do Estado em prol do candidato governista [Bolsonaro]".
"Na quebradeira de Brasília, Aras ficou passivo, foi atropelado pelo Advogado-Geral da União", disse Tres.
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