Estagflação no horizonte
A grande maioria das análises imagina um período de mais inflação na economia americana, pelo menos a curto prazo, em meio a um ambiente propício à contração da atividade econômica. O impacto da inflação prevista é mitigado, a médio prazo, justamente pela possibilidade de que ocorra um freio na economia.
O risco de recessão, em resumo, se sobrepõe ao efeito inflacionário da aplicação de tarifas de importação pelos EUA. A pressão inflacionária, derivada da elevação de tarifas de importações, pode sofrer alívio se a economia desacelerar. A mensagem é a de que faz sentido apostar numa etapa de estagflação na economia americana.
Se Trump confirmar e aprofundar a política econômica que já ensaia adotar, esses mesmos riscos se espalharão pelo mundo. Mais inflação e menos crescimento, em níveis globais, segundo muitos analistas, são consequências que entram no radar.
A probabilidade de freio na atividade econômica global não é pequena diante das enormes incertezas que Trump está promovendo. Se ninguém sabe exatamente para onde o novo presidente americano vai, incertezas passam a ser dominantes nos cenários econômicos.
Incertezas no cenário econômico são veneno para a atividade. Quando combinadas com perda de confiança na liderança da ainda maior economia do mundo, é veneno de efeito rápido e fulminante.
Quem vai decidir novos investimentos em meio a incertezas do que poderá acontecer no médio e longo prazos? A tendência é a retranca, recuar para zonas de conforto, poupando recursos e energia para tempos menos nebulosos e tumultuados.
Frentes de combate
Na sequência dos primeiros tiros da guerra comercial que Trump parece disposto a deflagrar contra aliados e adversários ao redor do mundo, o consenso entre os analistas é o de que o presidente americano mira duas frentes de combate.
A primeira é a tentativa de redirecionar a produção industrial, hoje muito distribuída por outros países, integrados em cadeias globais de suprimento, para dentro dos Estados Unidos. A outra é aumentar a arrecadação do governo, como meio de fazer frente e compensar as prometidas isenções ou reduções de impostos para americanos.
Com base nessas hipóteses, crescem as expectativas de que Trump promova uma alta generalizada de tarifas — que são atualmente muito baixas nos Estados Unidos —, manejando exceções e concessões de acordo com suas estratégias geopolíticas.
De outro lado, restam dúvidas se Trump não será impedido, em algum momento, de usar um mecanismo criado em 1977, dando poderes aos presidentes americanos de impor sanções comerciais e financeiras a outros países, alegando riscos à segurança nacional.
Para impor tarifas de importação, de início aos vizinhos México e Canadá, e à China, Trump recorreu à IEEPA, sigla em inglês para uma lei que permite a decretação de emergência econômica internacional. A escolha dessa lei se deu porque sua aplicação é imediata, mas o instrumento nunca foi usado até aqui para a imposição de tarifas de importação.
Impactos no Brasil
Quanto aos impactos para o Brasil de um alastramento da guerra comercial que o presidente americano ameaça disseminar, os analistas convergem para uma posição segundo a qual, diferentemente do que ocorreu, a partir de 2018, com as desavenças comerciais americanas com a China, no primeiro governo de Trump, o país será mais prejudicado do que beneficiado.
Um estudo detalhado do Itaú assim descreve a expectativa de seus analistas:
"O atual contexto sugere que o balanço de riscos é assimétrico para o lado negativo. Riscos positivos parecem mais limitados do em 2018 e o risco de novas tarifas vem crescendo."
Estudo do Itaú sobre os impactos da imposição de tarifas de importação nos Estados Unidos.
Em 2018, quando Trump impôs tarifas à China, as vendas brasileiras ganharam espaço no país asiático, com a retaliação dos chineses sobre compras de produtos americanos.
Caso Trump não opte por uma elevação universal de tarifas, caso em que o Brasil poderia deslocar suas exportações, concentradas em commodities, para outros mercados, a vulnerabilidade brasileira reside no fato de que o país taxa mais as importações americanas do que é taxado pelos EUA.
Esse ponto é destacado na análise da situação divulgada em relatório pelos economistas do Bradesco:
"O Brasil não possui déficit comercial relevante com os EUA, mas taxa mais os produtos americanos do que é taxado. Isso poderia levar os EUA a igualarem as tarifas médias de produtos brasileiros como reciprocidade."
Relatório do Bradesco sobre impactos da elevação de tarifas de importação pelo governo Trump
Tamanho das perdas
Estimativas do Bradesco apontam perdas, de início, de US$ 2 bilhões na balança comercial brasileira — 0,5% do volume exportado em 2024 —, com a aplicação pelos EUA de uma sobretarifa de 10% sobre todas as exportações. Os economistas do banco também estimam uma desvalorização do real ante o dólar de 4%. Já com uma sobretaxa de 25%, as perdas nas contas externas subiriam para US$ 5,5 bilhões.
Se as tarifas fossem aplicadas apenas para as exportações brasileiras, as perdas poderiam se disseminar mais, o inverso do que ocorreria se a tributação extra americana se desse de forma universal, alcançando todas as exportações para os Estados Unidos.
No caso de uma aplicação universal de sobrestarias de importação, as vendas ao exterior seriam menos afetadas porque a pauta de exportação brasileira é concentrada em commodities, cujo destino pode ser mais rapidamente redirecionado para outros mercados.
Um risco mais preocupante viria de um eventual acerto entre americanos e chineses, envolvendo redução de tarifas sobre exportações da China para os EUA, em troca de ampliação das compras da China de produtos agrícolas americanos. O Brasil é hoje o principal fornecedor da China em alguns produtos agrícolas — carne e soja, em destaque — e acabaria deslocado do grande mercado chinês.
Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
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