Donald Trump apontando enquanto discursa ao microfone

Crédito, EPA

Legenda da foto, Trump anunciou proposta para Gaza após reunião com premiê israelense
  • Author, Paul Adams
  • Role, Repórter de diplomacia da BBC
  • Há 30 minutos

A sugestão apresentada pelo presidente americano Donald Trump, de que os Estados Unidos poderiam "assumir o controle" da Faixa de Gaza e tomar "posse" do território, reassentando sua população em outro lugar, foi recebida com surpresa e repúdio.

Os comentários surgiram durante um cessar-fogo em andamento entre Israel e o Hamas e em meio a questionamentos sobre o futuro de Gaza após o conflito.

As Nações Unidas calculam que cerca de dois terços das edificações do território tenham sido destruídas ou danificadas, após 15 meses de combates.

A vaga proposta do presidente Trump poderá sinalizar a maior mudança na política americana para o Oriente Médio das últimas décadas.

Ela contraria o amplo consenso internacional sobre a necessidade da existência de um Estado palestino, composto pela Faixa de Gaza e pela Cisjordânia ocupada, ao lado de Israel.

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou que "valia a pena prestar atenção" na ideia, que foi energicamente rejeitada pelos países árabes e por alguns aliados dos Estados Unidos.

Por que Trump diz isso agora?

Foto aérea de casas destruídas

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Tarefa de reconstruir a Faixa de Gaza será monumental

Se Donald Trump tem razão em algum ponto, é o fato de que, mesmo depois de décadas, a diplomacia americana em relação a Israel e aos palestinos não conseguiu solucionar o conflito.

Propostas de paz foram apresentadas, presidentes entraram e saíram, mas os problemas só aumentaram. As monstruosas consequências foram o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e a guerra que se seguiu na Faixa de Gaza.

Trump ganhou milhões de dólares como incorporador imobiliário. E, com sua experiência, ele fez uma observação perfeitamente válida: se Gaza deve ser reconstruída — do zero, em alguns pontos —, faz pouco sentido que centenas de milhares de civis fiquem abrigados nos escombros.

A tarefa de reconstruir a Faixa de Gaza será monumental. É preciso remover munições não detonadas e montanhas de detritos.

Redes de fornecimento de água e energia precisam ser reparadas. Escolas, hospitais e lojas precisam ser reconstruídos.

O enviado de Trump para o Oriente Médio, Steve Witkoff, declarou que o processo poderá levar anos. E, enquanto isso, os palestinos precisarão ir para algum lugar.

Mas, em vez de procurar formas de mantê-los perto de casa (com quase total certeza, em acampamentos no centro e sul da Faixa de Gaza), Trump afirma que eles deveriam ser incentivados a sair — permanentemente.

O presidente americano acredita que, na ausência deles, surgirá das cinzas uma idílica "Riviera do Oriente Médio", de propriedade dos Estados Unidos, que irá criar milhares de empregos, oportunidades de investimento e, em última análise, um lugar para "as pessoas do mundo morarem".

Por que os comentários de Trump são tão controversos?

Por onde começar?

Mesmo para um presidente que passou grande parte do seu primeiro mandato (2017-2021) revertendo as políticas dos Estados Unidos para o Oriente Médio (ele chegou a mudar a Embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém e reconhecer a soberania israelense sobre o território ocupado das Colinas de Golã), esta proposta foi espantosa.

Nem mesmo nos seus sonhos mais extravagantes, nenhum presidente americano chegou a imaginar que a resolução do conflito entre israelenses e palestinos envolveria ocupar um pedaço de território palestino e expulsar seus moradores.

É preciso deixar claro que fazer isso à força seria uma grave violação do direito internacional.

Alguns palestinos provavelmente iriam preferir sair de Gaza e reconstruir suas vidas em outro lugar. É algo que 150 mil deles já fizeram, desde outubro de 2023.

Mas outros não podem ou não querem sair, seja por não deterem os meios financeiros ou porque sua conexão à Faixa de Gaza — que faz parte da terra chamada por eles de Palestina — simplesmente é muito forte.

Pessoas caminhando entrer destroços e prédios destruídos

Crédito, Reuters

Legenda da foto, As Nações Unidas estimam que cerca de dois terços das edificações da Faixa de Gaza foram destruídas ou danificadas

Muitos moradores da Faixa de Gaza são descendentes de pessoas que fugiram ou foram retiradas de suas casas em 1948, durante a criação do Estado de Israel. Os palestinos chamam esse período de Nakba — "catástrofe", em árabe.

A ideia de outro deslocamento seria dolorosa demais para muitos deles, que irão se agarrar à sua limitada vida no que restou de Gaza com feroz determinação.

Para os palestinos que sonham com seu Estado próprio, lado a lado com Israel, a perda de uma parte desse Estado irá soar como uma amputação.

A Faixa de Gaza é fisicamente separada da Cisjordânia desde 1948. As rodadas de negociações anteriores e a própria "Visão para a Paz" de Trump, em 2020, incluíam projetos de túneis ou ferrovias que pudessem conectar os dois territórios.

Agora, Trump basicamente está dizendo aos palestinos que eles devem desistir de Gaza, de uma vez por todas.

Aparentemente, ele não está defendendo a deportação forçada de civis, que contraria o direito internacional. Mas Trump claramente está incentivando os palestinos a sair do território.

Autoridades palestinas já acusaram Israel de bloquear a passagem de dezenas de milhares de comboios de ajuda que poderiam ajudar os moradores a permanecer nas regiões menos danificadas da Faixa de Gaza, enquanto ocorre a reconstrução em outros locais.

Os países árabes que, segundo o presidente americano, deveriam aceitar até 1,8 milhão de refugiados de Gaza (basicamente, o Egito e a Jordânia), declararam sua indignação. Os dois países já têm problemas suficientes para aceitar mais este encargo.

Qual é a situação atual da Faixa de Gaza?

A Faixa de Gaza foi ocupada pelo Egito por 19 anos, até ser tomada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Com base no direito internacional, o território ainda é considerado ocupado pelo Estado de Israel, que contesta a situação.

O país defende que a ocupação terminou em 2005, quando Israel desmontou unilateralmente os assentamentos judeus e retirou seu exército do território.

Cerca de três quartos dos membros da ONU reconhecem Gaza como parte de um Estado soberano da Palestina. Os Estados Unidos não estão de acordo com esta posição.

Isolada do mundo exterior por cercas e pelo bloqueio marítimo israelense, a Faixa de Gaza nunca pareceu um lugar verdadeiramente independente.

Nada nem ninguém entra ou sai de Gaza sem a permissão de Israel. E seu aeroporto internacional, aberto em meio a grandes alardes em 1998, foi destruído por Israel em 2001, durante o segundo grande levante palestino.

Israel e o Egito impuseram um bloqueio à Faixa de Gaza, mencionando razões de segurança, quando o Hamas venceu as eleições palestinas em 2006 e expulsou seus adversários do território, após intensos combates travados no ano seguinte.

Muito antes da última guerra, os palestinos já consideravam a Faixa de Gaza uma prisão a céu aberto.

Trump pode assumir o controle de Gaza, se quiser?

Veículos militares israelenses em terreno aberto

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O cessar-fogo suspendeu os combates entre Israel e o Hamas, mas Israel ainda não retirou totalmente suas tropas da Faixa de Gaza

É desnecessário dizer que os EUA não têm base legal para reivindicar o território e que não está claro como Trump pretende impor a soberania americana.

Como ocorreu com suas obstinadas reivindicações de controle americano sobre a Groenlândia e o Canal do Panamá, não está claro se o presidente americano realmente fala sério ou se seus comentários representam a abertura de uma bizarra posição de barganha frente às dolorosas negociações sobre o futuro da Faixa de Gaza.

Diversos planos vêm sendo discutidos para a administração de Gaza após a guerra.

Em dezembro, as duas principais facções palestinas — o Hamas e o Fatah — concordaram em formar um comitê conjunto para gerenciar sua administração. Mas este acordo, até agora, não chegou a lugar nenhum.

Em outros momentos, as discussões se concentraram na criação de uma força internacional de manutenção da paz, possivelmente composta de tropas de países árabes.

No mês passado, a Reuters informou que os Emirados Árabes Unidos, EUA e Israel haviam discutido a formação de um governo temporário na Faixa de Gaza, até que a Autoridade Palestina, que já detém o controle de parte da Cisjordânia, fosse reformada e ficasse pronta para assumir.

Mas o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, já havia insistido publicamente que a Autoridade Palestina não tem lugar na administração da Faixa de Gaza após a guerra.

Os Estados Unidos já estão com os pés na Faixa de Gaza, de forma limitada.

Uma empresa de segurança americana empregou cerca de 100 ex-soldados das forças especiais dos Estados Unidos para formar um posto de controle vital no sul da Cidade de Gaza e vistoriar os veículos dos cidadãos palestinos que retornarem para o norte, em busca de armas.

Funcionários de segurança do Egito também já foram vistos no mesmo posto de controle. Estes podem ser os primeiros sinais temporários da expansão da presença internacional na Faixa de Gaza, possivelmente liderada pelos Estados Unidos.

Mas estas ações estão longe de ser uma ocupação americana, que exigiria uma intervenção militar em larga escala no Oriente Médio — o tipo de ação que Donald Trump declarou aos eleitores, por muito tempo, que deseja evitar.

Pode haver implicações para o cessar-fogo?

Netanyahu e Trump em frente a palanques; Trump aponta para a frente

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Legenda da foto, Trump sugeriu que palestinos de Gaza sejam realocados durante entrevista coletiva com Netanyahu

As negociações da segunda fase do cessar-fogo de duas semanas entre Israel e o Hamas recém começaram, mas é difícil ver como as observações bombásticas do presidente Trump podem ajudar a fazer com que elas avancem.

Se o Hamas sentir que o resultado de todo este processo será o despovoamento da Faixa de Gaza (não só pelo Hamas, mas por todos os palestinos), o grupo poderá concluir que não há mais nada a conversar e permanecer com os reféns restantes do ataque de 7 de outubro de 2023.

Os críticos de Netanyahu vêm acusando o primeiro-ministro de procurar desculpas para encerrar as negociações e retomar a guerra. Eles poderão concluir que, com seus comentários, Trump é seu cúmplice declarado.

Por outro lado, os apoiadores de direita do primeiro-ministro israelense expressaram sua satisfação com o plano de ocupação americana, o que poderá reduzir o risco de renúncias no gabinete e fazer com que o futuro político imediato de Netanyahu pareça mais assegurado.

Neste sentido, Trump forneceu a Netanyahu um poderoso incentivo para manter o cessar-fogo.

O que Trump declarou sobre a Cisjordânia?

Questionado se estaria de acordo com o reconhecimento, pelos Estados Unidos, da soberania israelense sobre a Cisjordânia ocupada, Donald Trump declarou que ainda não se decidiu, mas que faria um anúncio a respeito daqui a quatro semanas.

Este comentário alarmou os palestinos. Para eles, o anúncio do presidente americano seria inevitavelmente considerado mais um prego no caixão da solução de dois Estados para a questão entre Israel e Palestina.

Reconhecer a legitimidade dos assentamentos israelenses na Cisjordânia traria enormes consequências. A maioria dos países considera esses assentamentos ilegais com base no direito internacional, mesmo com a contestação de Israel.

Durante as rodadas anteriores de reuniões de paz, os negociadores reconheceram que Israel conseguiria manter grandes blocos de assentamentos como parte de um acordo final, provavelmente em troca de pequenos pedaços do território israelense.

Em 2020, Trump negociou os Acordos de Abraão, que garantiram a histórica normalização das relações diplomáticas entre Israel e dois países árabes — Bahrein e os Emirados Árabes Unidos.

Os Emirados Árabes Unidos assinaram o acordo com base no pressuposto de que Israel não anexaria partes da Cisjordânia – o que, agora, pode estar em risco.