Mão segurando dois comprimidos, um azul e outro amarelo

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Legenda da foto, Remédios para disfunção sexual, como a tadalafila, revolucionaram o tratamento a partir do início do século 21

"Sabe qual é o segredo pra aguentar a noite todinha?/Tadalafila, tadalafila."

Esses são versos de Tadalafila, música lançada por Alanzim Coreano e Os Barões da Pisadinha em 2023.

Curiosamente, essa não é a única canção a mencionar o nome desse remédio: uma rápida pesquisa no Spotify com os termos "tadalafila", "tadala" ou "tadafilado" traz mais de uma centena de resultados de diferentes gêneros musicais.

Além do cenário artístico, esse fármaco prescrito para tratar a disfunção erétil também virou alvo de muitos memes, conteúdos de redes sociais e esquetes de comédia.

E tudo isso acontece no mesmo momento em que as vendas desses comprimidos em farmácias disparam: um levantamento feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a pedido da BBC News Brasil revela que foram vendidas 21,4 milhões de caixas de tadalafila no país em 2020.

Três anos depois, esse número havia subido para 47,2 milhões.

No primeiro semestre de 2024 (o dado mais recente disponível), 31,1 milhões de caixas da medicação foram comercializadas.

Se essa tendência permanecer inalterada durante os últimos seis meses do ano passado, isso significa que as vendas de tadalafila praticamente triplicaram no Brasil num período de quatro anos.

Já um relatório da consultoria Close-Up International aponta que a tadalafila ficou em terceiro lugar entre as moléculas mais vendidas no ano de 2024, atrás apenas de losartana e metformina.

No total, ela gerou uma receita que supera R$ 1,2 bilhão no ano passado — e apresentou o maior crescimento nas vendas de um ano para outro entre os 20 primeiros colocados neste ranking.

Por trás da crescente popularidade, é possível encontrar até alegações falsas de que esse fármaco ajuda a ganhar músculos entre quem faz academia.

Entenda a seguir como esse remédio realmente funciona, quais são as suas indicações e os riscos de usá-lo sem a orientação de um profissional de saúde.

A volta do pênis ereto

A dificuldade para ter ou manter uma ereção por conta de problemas fisiológicos era uma realidade praticamente intransponível para homens que sofriam de impotência sexual até meados dos anos 1990.

Mas esse cenário mudou completamente a partir de 1998, quando surgiu a sildenafila — o popular Viagra — o primeiro fármaco de uma classe que prometia a volta das ereções.

Pouco tempo depois, já no início dos anos 2000, surgiu a tadalafila. À época, ela era vendida sob o nome comercial Cialis, mas hoje em dia é possível encontrar diversas opções de genéricos com esse princípio ativo.

Existem algumas diferenças entre esses fármacos. Enquanto a sildenafila deve ser tomada algumas horas antes de uma relação sexual prevista, a tadalafila permite um uso contínuo, todos os dias. A

segunda medicação também possui uma ação mais prolongada, de cerca de 36 horas (ante 4 horas do Viagra).

Mas como essas moléculas funcionam na prática?

O médico Luiz Otávio Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, explica que, em linhas gerais, esses medicamentos atrapalham a ação de uma enzima chamada fosfodiesterase tipo 5, ou PDE5.

"A PDE5 inibe a ereção. Portanto, quando essa enzima é inibida pela tadalafila, isso permite que o pênis volte a ficar ereto", detalha ele.

Vale explicar aqui que o órgão sexual masculino é formado por corpos cavernosos. E essas câmaras precisam ser preenchidas por sangue para que ocorra a ereção.

E, para que esse processo aconteça, é necessário um relaxamento dos músculos que envolvem os vasos sanguíneos.

"Isso permite que mais sangue chegue à região", explica a farmacêutica Amouni Mourad, assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo.

E é justamente esse aporte extra de líquido vermelho que deixa o membro duro e pronto para a relação sexual.

Remédios como a tadalafila, portanto, agem nesse sistema. Eles inibem uma molécula que "atrapalha" a ereção e garantem o relaxamento de músculos e vasos, para que o sangue preencha os corpos cavernosos.

"Mas os comprimidos são apenas facilitadores desse processo. É preciso existir desejo e estímulo para que a ereção realmente aconteça", pontua Torres.

Homem cabisbaixo sentado na ponta da cama com uma mulher ao fundo

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Legenda da foto, A primeira indicação da tadalafila é no tratamento da disfunção erétil

As indicações da tadalafila

Na bula, há apenas três condições para a prescrição médica desse remédio.

A primeira e mais óbvia delas é a impotência sexual.

"A disfunção erétil tem causas orgânicas e psicogênicas. Se chega no meu consultório um jovem que tem falhas ocasionais, ele provavelmente não está com uma questão específica no organismo. O problema então está na cabeça e ele pode se beneficiar de uma psicoterapia", aponta Torres.

"Agora, quando se trata de um homem de certa idade, com outros fatores de risco e doenças crônicas, a disfunção provavelmente possui causas orgânicas. Nesses casos, os remédios podem ajudar", diferencia ele.

A segunda indicação da tadalafila envolve um quadro chamado hiperplasia prostática benigna, marcada por um inchaço da próstata, que estrangula a uretra e dificulta a passagem da urina. O remédio é prescrito aqui porque traz algum alívio na saída da urina.

O terceiro uso dessa medicação envolve pacientes com hipertensão pulmonar — o aumento da pressão arterial no principal órgão do sistema respiratório. Mas esse tratamento envolve doses muito mais elevadas do que nas duas situações citadas anteriormente.

No entanto, nos últimos tempos, a tadalafila se popularizou num quarto (e inesperado) contexto: como uma forma — não comprovada — de ganhar músculos entre frequentadores de academias, tanto homens quanto mulheres.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil não sabem de onde surgiu essa ideia — e se as músicas, memes e piadas catapultaram as vendas ou se foi o caminho contrário (o aumento do interesse pelo remédio gerou um fenômeno cultural).

A teoria por trás desse uso no pré-treino envolve um relaxamento do endotélio, a camada que reveste a parede interna das artérias.

Segundo essa linha de raciocínio, isso permitiria a chegada de mais sangue aos músculos — o que supostamente levaria ao crescimento deles.

"Mas não há base nenhuma para essas alegações. Não existe comprovação científica sobre esse uso", critica Torres.

"Os poucos estudos que avaliam a tadalafila para ganho de massa muscular foram feitos com 40 ou 50 voluntários, o que é muito pouco", complementa o médico.

De fato, as principais sociedades médicas nacionais e internacionais não recomendam o uso da tadalafila como um pré-treino, prática que ganhou popularidade nos últimos anos.

"E não é necessário tomar remédio para ganhar músculos. Os próprios exercícios já produzem esse efeito", reforça Mourad, que também é coordenadora do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.

Homem erguendo peso

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Legenda da foto, A tadalafila passou a ser sugerida, sem comprovação, como uma forma de ganhar músculos

Os riscos do uso inadequado da tadalafila

"As pessoas perdem a noção de que esse remédio não é recreativo, para se divertir", lamenta Mourad.

"Qualquer medicamento só deve ser usado na pessoa certa, no tempo certo e da forma certa."

"Não adianta eu achar que posso tomar um comprimido só porque fez bem para meu vizinho ou meu irmão. Cada organismo é diferente", complementa ela.

Mas, afinal, quais são os perigos de tomar estes comprimidos sem a indicação de um profissional de saúde?

Torres esclarece que a tadalafila é uma medicação relativamente segura, desde que usada da forma correta.

"A principal contraindicação é para quem toma outros remédios que contêm nitratos, porque a ação conjunta dessas duas moléculas pode baixar muito a pressão arterial", diz ele.

Entre os fármacos que trazem nitratos na composição, os mais comuns são o propatilnitrato, a isossorbida, a nitroglicerina e o dinitrato de isossorbida.

"A tadalafila também pode causar dor de cabeça, dor muscular ou entupimento de nariz, mas é uma coisa para o paciente avaliar o custo-benefício", complementa o urologista.

Ou seja, se esses incômodos forem fortes demais, basta interromper o tratamento.

Agora, caso os ganhos com a ereção pareçam mais vantajosos e o indivíduo consiga lidar bem com os efeitos colaterais, não há problemas em seguir adiante com a terapia indicada pelo profissional da saúde.

Na bula, os fabricantes informam que as reações comuns, que ocorrem em 1 a 10% das pessoas que usam tadalafila, incluem dor nas costas, dor de cabeça, indigestão, vermelhidão no rosto, dor muscular, dor nas extremidades, refluxo gastroesofágico e nariz entupido.

Já entre as reações incomuns (que acometem entre 0,1 e 1% dos usuários), os laboratórios listam a dispneia, também conhecida como falta de ar.

Há ainda os eventos muito raros, que acontecem com menos de 0,01% dos consumidores.

A lista é bem grande e abarca questões como erupções cutâneas, coceira, inchaço no rosto, pressão baixa, visão borrada, priapismo (ereção dolorosa que dura mais de quatro horas) e até eventos cardiovasculares graves (como infarto e AVC).

Sobre os eventos cardiovasculares graves, os fabricantes destacam que "a maioria dos pacientes que relataram esses eventos tinha fatores de risco preexistentes", portanto "não se pode determinar definitivamente se esses eventos são relacionados diretamente a esses fatores de risco, à tadalafila, à atividade sexual ou à combinação destes e de outros fatores".

Farmácia

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Legenda da foto, Entidades e especialistas orientam que consumidores só comprem medicamentos com tarja, como a tadalafila, se possuírem uma receita médica

Procurado pela BBC News Brasil para comentar sobre o uso inadequado da tadalafila, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) respondeu que "não costuma se pronunciar publicamente sobre propriedades terapêuticas e hábitos de consumo de medicamentos, por entender que são temas de médicos, especialistas em saúde, das empresas que desenvolveram e comercializam esses produtos e, eventualmente, das autoridades sanitárias".

"Como se sabe, a tadalafila se insere no grupo dos chamados 'medicamentos de qualidade de vida', que ganharam grande aceitação nas décadas recentes, em razão da crescente atenção das pessoas com o bem-estar e a saúde", diz a nota enviada para a reportagem.

"No que se refere aos fundamentos sanitários do mercado de medicamentos, o Sindusfarma sempre reafirma seu posicionamento histórico, segundo o qual todos os medicamentos tarjados devem ser usados com orientação dos profissionais de saúde e só devem ser vendidos e dispensados mediante a apresentação da receita médica", completa o texto.

Por fim, Mourad cita um outro efeito colateral que pode acontecer diante do uso errado da tadalafila para fins sexuais: a dependência emocional ou psicológica.

"Não falamos aqui de um medicamento que atua no sistema nervoso central e que leva à dependência química. Mas a pessoa pode achar que só vai ter uma performance sexual boa se tomar o comprimido", detalha ela.

"Vivemos na era do imediatismo, queremos tudo para ontem. E me preocupa essa nova geração de adolescentes e jovens adultos saudáveis, que tomam tadalafila sem nenhuma necessidade", conclui a especialista.