Os planos de Trump são vistos como uma violação do direito internacional, com especialistas falando em "limpeza étnica". Nesta quarta-feira (5), o Escritório de Direitos Humanos da ONU afirmou que "qualquer transferência forçada" de palestinos para fora de Gaza é "estritamente proibida".
Entenda melhor os desafios para a proposta de Donald Trump:
Luta palestina por território
Qualquer proposta de deslocamento é uma questão altamente sensível tanto para os palestinos quanto para os países árabes.
Desde que os combates se intensificaram na guerra entre o Hamas e Israel, os palestinos temiam sofrer outra "Nakba" - catástrofe em árabe -, como é chamado o momento em que 700 mil deles foram desalojados de suas casas durante a guerra que culminou na criação de Israel em 1948.
Muitos foram expulsos ou fugiram para Gaza, além de estados árabes vizinhos, como Jordânia, Síria e Líbano, onde ainda vivem em campos de refugiados. Israel contesta o relato de que eles foram forçados a sair.
O conflito mais recente, que, segundo dados do governo do Hamas, matou mais de 47 mil pessoas, provocou o deslocamento de até 85% da população de 2,3 milhões de palestinos que vivem em Gaza e devastou o território.
No entanto, mesmo em meio aos bombardeios, palestinos em fuga diziam que não deixariam o enclave mesmo que pudessem, porque temiam que isso pudesse levar a outro deslocamento permanente, uma repetição de 1948.
O Egito e outras nações árabes também se opõem veementemente à saída dos palestinos da Faixa de Gaza por temer que qualquer movimento em massa através da fronteira possa prejudicar ainda mais as perspectivas de uma "solução de dois Estados".
Jon Alterman, um ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA que agora lidera o programa do Oriente Médio no Washington Center for Strategic and International Studies, acredita que os moradores de Gaza dificilmente deixarão a região voluntariamente:
Família palestina tentando voltar para casa, em Gaza — Foto: REUTERS/Dawoud Abu Alkas
A repercussão do anúncio de Trump sobre seus planos para Gaza, nesta terça, durante coletiva com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi imediata e, em grande parte, negativa.
O grupo terrorista palestino Hamas, que comanda a Faixa de Gaza, também rejeitou com veemência a fala do presidente americano e afirmou:
O Egito já alertou que qualquer transferência em massa de palestinos para a Península do Sinai, na fronteira com Gaza, poderia prejudicar seu tratado de paz com Israel - um pilar da estabilidade regional e da influência americana por quase meio século.
Em comunicado oficial, a Arábia Saudita, envolvida há meses em negociações diplomáticas com o governo americano para se aliar a Israel e que recentemente anunciou um investimento de US$ 600 bilhões nos Estados Unidos, rejeitou qualquer tentativa de expulsar os palestinos de suas terras e disse que sua posição em relação ao tema "não é negociável".
A declaração reiterou comentários feitos em setembro pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, que disse que o país não normalizaria as relações com Israel sem a criação de um Estado palestino com Jerusalém Oriental como capital.
A Turquia chamou a proposta de "inaceitável". Algumas das críticas mais duras vieram da França, que disse que o deslocamento forçado de moradores de Gaza seria uma grave violação do direito internacional, um ataque às aspirações legítimas dos palestinos e desestabilizaria a região.
Apesar da repercussão negativa, alguns especialistas especulam sobre a possibilidade de que a proposta de Trump seja uma jogada inicial em um processo de negociação que visa garantir o mega acordo no Oriente Médio que ele diz estar buscando.
Para Michael Milshtein, ex-oficial de Inteligência e um dos principais especialistas israelenses no Hamas, "talvez Trump esteja tentando promover pressão sobre os Estados árabes para que eles não criem obstáculos caso ele tente promover uma aproximação entre a Arábia Saudita e Israel".
Will Wechsler, diretor sênior de programas do Oriente Médio no Atlantic Council, acredita que Trump pode estar tomando posições extremas como estratégia de barganha:
Como proposta foi recebida por Israel?
A ideia de transferência em massa, historicamente, ficou restrita à extrema direita em Israel, mas nesta quarta-feira (5), os principais líderes do país disseram que o plano de Trump valia a pena ser considerado.
Benny Gantz, um político centrista e ex-general, há muito visto como uma alternativa mais moderada a Netanyahu, disse que a proposta de Trump mostrou "pensamento criativo, original e intrigante" e deveria ser estudada juntamente com outros objetivos de guerra, "priorizando o retorno de todos os reféns".
O líder da oposição Yair Lapid, um crítico feroz de Netanyahu que expressou apoio a uma solução de dois Estados no passado, não se opôs à ideia. Em vez disso, disse em uma entrevista à mídia local que era muito cedo para reagir à proposta de Trump, já que não há detalhes concretos, e que devolver os reféns era o mais importante.
Ben Gvir, ex-ministro da Segurança Nacional que faz parte de um movimento político que defende o assentamento judaico em Gaza e que abandonou o governo após a assinatura do novo cessar-fogo com o Hamas, disse que "encorajar" os moradores de Gaza a migrarem do enclave era a única estratégia correta e pediu ao primeiro-ministro israelense que adotasse a política "imediatamente".
O Movimento Nachala, que promove assentamentos judaicos na Cisjordânia, disse: "Devemos nos apressar e estabelecer assentamentos em toda a Faixa de Gaza " se os planos de Trump forem colocados em prática.
Prédios em ruínas em Gaza — Foto: REUTERS/Amir Cohen
Os planos de Trump para reconstrução de Gaza
O presidente americano disse que o enclave "não é um lugar para as pessoas viverem", mas também chegou a falar de possíveis planos para transformá-lo na "Riviera do Oriente Médio".
Segundo o enviado especial dos Estados Unidos para Oriente Médio, Steve Witkoff, atualmente a Faixa de Gaza tem 30 mil munições não detonadas, prédios que podem cair a qualquer momento e não há água ou eletricidade. Para ele, a população precisa ir para outro lugar até que Gaza seja reconstruída - o que deve demorar 15 anos.
Uma avaliação de danos da ONU divulgada no mês passado mostrou que a limpeza de mais de 50 milhões de toneladas de escombros deixados após os bombardeios israelenses em Gaza poderia levar 21 anos e custar até US$ 1,2 bilhão.
Acredita-se que os destroços estejam contaminados com amianto e que, provavelmente, também ainda contenham restos humanos. O Ministério da Saúde Palestino estima que 10 mil corpos estejam desaparecidos.
De acordo com dados de satélite, dois terços das estruturas pré-guerra - mais de 170.000 prédios - foram danificados ou destruídos, o que equivale a cerca de 69% do total de estruturas na Faixa de Gaza.
As imagens também apontam que mais da metade das terras agrícolas de Gaza, cruciais para alimentar a população faminta do território devastado pela guerra, foram degradadas pelo conflito.
Os danos estimados à infraestrutura totalizavam US$ 18,5 bilhões no final de janeiro de 2024, afetando serviços essenciais como educação, saúde e energia, segundo um relatório da ONU e do Banco Mundial.
O primeiro-ministro palestino, Mohamad Mustafa, defende "uma visão integrada” para remover os escombros e reconstruir Gaza em cooperação com grupos internacionais.
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