A denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, eleva em alguns pontos as conclusões da Polícia Federal sobre a trama golpista do final do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, além de trazer afirmações ainda amparadas em frágil comprovação.
A PGR (Procuradoria Geral da República) —que é o órgão responsável pela acusação no processo— denunciou o ex-presidente por dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, em decorrência dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, além de afirmar que ele concordou com o plano de assassinar Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes.
Além de imputar os crimes, Gonet também pede que seja fixado um valor mínimo para reparação dos danos causados entre os acusados, inclusive o ex-presidente.
Os crimes pelo 8 de janeiro não constam no indiciamento da PF, embora a polícia tenha traçado ligação entre os ataques e Bolsonaro. Em seu relatório final, a polícia também não fala que Bolsonaro concordou com plano de assassinato.
Para amparar esses dois avanços em relação à investigação policial, Gonet cita basicamente mensagens de WhatsApp que não são conclusivas e que podem ter interpretações diversas da apresentada em seu relatório.
Gonet faz ligação direta de Bolsonaro com os ataques de 8 de janeiro afirmando haver "mensagens trocadas diretamente" pelo ex-presidente e cita uma de 2 de janeiro de 2023, enviada pelo major da Aeronáutica Maurício Pazini Brandão.
"O plano foi complementado com as contribuições de sua equipe. Aguardamos na esperança de que será implementado. Bom dia. A ‘minha tropa’ (hehehehe) continua com ‘sangue nos olhos’... Bom dia. Feliz Ano Novo. Conversa hoje com o Amir. Desmobilizamos a tropa ou permanecemos em alerta?"
Não há indicação na investigação ou na denúncia de que Bolsonaro, que estava nos Estados Unidos, tenha respondido.
Gonet também fundamenta que havia um contexto de golpe em favor de Bolsonaro e diz que o 8 de janeiro foi um episódio "fomentado e facilitado pela organização denunciada, que assim, por mais essa causa, deve ser responsabilizada".
Apresenta ainda mensagens de Mauro Cid, ex-chefe da Ajudância de Ordens de Bolsonaro, no sentido de que alguma coisa estava para acontecer nos primeiros dias de janeiro de 2023.
No depoimento mais recente de sua delação premiada, tornado público nesta quarta-feira (19), Cid procurou negar que suas mensagens tivessem alguma relação com o que viria a acontecer no dia 8. "Ministro, o dia 8 foi uma surpresa para todo mundo. Os militares estavam de férias", disse ele a Moraes em depoimento.
Cid, com sua delação, é considerado uma espécie de fio condutor do inquérito, mas essa posição sua não é levada em conta na denúncia da PGR.
O mesmo ocorre com a suposta ciência e anuência de Bolsonaro ao plano "Punhal Verde Amarelo", documento possivelmente produzido pelo general da reserva Mario Fernandes —então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência— e que traçava plano de matar Moraes, Lula (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
A PF diz em seu relatório final que Bolsonaro tomou ciência do plano pelo fato de ele ter sido impresso por Fernandes no Palácio do Planalto em dias em que possivelmente se encontrou com o então presidente.
Gonet vai além e fala que Bolsonaro não só tomou conhecimento como concordou com a proposta de assassinatos, o que só não teria saído do papel devido à recusa do então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, em aderir ao golpe.
Para respaldar sua afirmação, Gonet cita principalmente uma mensagem de WhatsApp enviada por Fernandes a Cid em que o general diz ter tido uma conversa com o presidente e que "qualquer ação" do grupo poderia acontecer até 31 de dezembro.
Em seus depoimentos mais recentes na delação, Mauro Cid diz não ter condições de afirmar se Bolsonaro sabia da existência do plano. "Eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não."
Essa posição de Cid também não é levada em conta na denúncia de Gonet.
O mesmo ocorre com a denúncia contra o general Estevam Theophilo, chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército no fim de 2022. A principal suspeita levantada pela Polícia Federal e reforçada pela PGR é de que o militar teria concordado em executar o golpe de Estado caso Bolsonaro assinasse um decreto com as ordens.
A suspeita baseia-se numa mensagem enviada por Mauro Cid a um interlocutor momentos após Theophilo se encontrar com Bolsonaro. "Mas ele quer fazer... Desde que o Pr [presidente] assine", disse.
O próprio Cid, porém, disse em depoimento a Moraes que Theophilo não iria "romper o círculo de legalidade".
"Até mesmo o general Theophilo comentou algumas vezes que ele também não... ele não aceitaria assumir o Exército se o general Freire Gomes fosse retirado, até por lealdade a ele", disse.
Em outro trecho da denúncia, a PGR aborda uma troca de mensagens do início de dezembro de 2022 sobre possível busca e apreensão que teria sido autorizada por Alexandre de Moraes e tendo como alvos caminhões estacionados no acampamento montado no QG do Exército, em Brasília.
De acordo com a Procuradoria, Mário Fernandes fez um pedido a Cid em áudio: "Se o presidente [Bolsonaro] pudesse dar um input ali pro Ministério da Justiça pra segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP [Comando Militar do Planalto]". Em resposta, diz a denúncia, o ex-ajudante de ordens afirmou "pode deixar que eu vou comentar com ele", referindo-se ao então presidente.
A PGR afirma que "o diálogo não deixa dúvidas do suporte fornecido pelo entorno de Jair Bolsonaro às manifestações antidemocráticas, até mesmo com o uso indevido da estrutura do Estado", sem, contudo, apontar na peça se os ministérios citados foram mobilizados. A denúncia diz que a referida busca e apreensão foi efetivada.
Espécie de sombra de Bolsonaro, Cid teve a delação homologada em setembro de 2023, mas por duas vezes viu o acordo sob ameaça.
Outro trecho da denúncia fala que o então chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem municiava Bolsonaro com teses golpistas. Tanto a PF quanto Gonet citam envio de um texto por Ramagem para um contato identificado como ‘‘JB 01 8".
Apesar de a denúncia afirmar que se trata "evidentemente" de Jair Bolsonaro não há em nenhuma das duas peças elementos de investigação sobre a quem pertencia o número e em qual localidade estava quando recebeu a mensagem.
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