4 horas atrás 2

Sigilos de '100 anos' não vão se resolver na canetada

A proposta do governo Lula para mudar a Lei de Acesso à Informação (LAI) promete resolver o chamado "sigilo de cem anos", mas esbarra em uma contradição que explicamos na coluna passada: o problema nunca foi o prazo, e sim a interpretação distorcida do que pode ou não ser considerado informação pessoal. O próprio governo, por meio de suas decisões, demonstra que a mudança sugerida não resolveria a questão. A seguir, três casos concretos ilustram como a atual gestão trata questões próximas ao presidente e por que a proposta do Executivo falha em enfrentar o problema real.

Antes, é preciso falar sobre a declaração do novo presidente da Câmara, Hugo Motta, ao ser questionado sobre o orçamento secreto das emendas parlamentares —inequivocamente o maior problema de transparência do país hoje. Ele se esquivou mencionando os "sigilos de cem anos" do Executivo. É a segunda vez que criticamos o governo Lula por isso, mas não dá nem para começar a comparar o nível de transparência do Legislativo com o do Executivo. Como já escrevemos, com o Executivo estamos discutindo melhorias de uma estrutura já robusta —enquanto o Congresso resiste a questões básicas. A parte válida do discurso de Motta é que o Judiciário também precisa ser cobrado. Concordamos. Como presidente da Câmara, ele está em posição de fazer isso.

Voltando ao governo Lula, a dificuldade de separar o que é informação pública do que é privada apareceu nos primeiros dias de gestão. O Executivo negou acesso à lista de convidados da cerimônia de posse alegando sigilo para proteger a privacidade e que não atenderia pedidos que "se caracterizem pela desconformidade com os interesses públicos do Estado em prol da sociedade".

Outro exemplo foi a negativa ao pedido da Fiquem Sabendo sobre a lista de pessoas que presentearam o presidente Lula desde o início do mandato. Segundo a CGU, supostamente com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), isso seria uma "informação pessoal sensível", pois seria uma exposição da opinião ou preferência política de quem deu o presente. Detalhe: a utilização da LGPD nesses casos é vedada por diretriz da própria CGU.

Mesmo que fosse uma questão de proteção de dados, essas justificativas não se sustentam. Em entrevista à coluna, Bruno Bioni, diretor-fundador do Data Privacy Brasil, explica: "A lista de pessoas que compareceram à cerimônia de posse e a lista de pessoas que presentearam o presidente da República estão relacionadas à função deste último enquanto agente político de Estado e não enquanto agente político-partidário. Por isso, não deveria haver associação dessa situação às convicções político-partidárias e, com isso, o enquadramento como um dado sensível. É o que se chama de privacidade contextual (lei 13.709/2018, artigo 6º, inciso II). Além disso, não retira o caráter de interesse público da informação, nos termos da lei 8.394/1991 e decreto nº 4344/2002, balizado por decisões do TCU".

Colunas e Blogs

Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha

Outro caso importante é o do sigilo imposto às declarações de conflito de interesse dos ministros do governo. Uma informação essencial para o controle de enriquecimento ilícito e relações promíscuas entre autoridades e o setor privado, é negada sob suposta necessidade de proteger a intimidade dos mesmos. Já explicamos em coluna anterior: "não há expectativa de privacidade para quem escolhe o setor público". Nos Estados Unidos, por outro lado, basta acessar o site da repartição pública para localizar até mesmo a declaração completa e atualizada de bens e investimentos dos ex-presidentes e demais membros do Congresso, de todo o Judiciário federal americano e do presidente do país.

Em resumo, o problema do sigilo não será resolvido por mudanças superficiais na LAI. A questão central é a interpretação equivocada (e, por vezes, oportunista) sobre o que deve ser público ou privado. Pelo que temos visto até agora, o próprio governo não dá o exemplo adequado.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Leia o artigo inteiro

Do Twitter

Comentários

Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro